A AUTORIDADE PORTUÁRIA
A figura da Autoridade Portuária surgiu na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que, em seu artigo 21, inciso XII, alínea f, estabeleceu como competência da União o poder para a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres do país, quer seja de forma direta, ou ainda por meio de autorização, concessão ou permissão.
Em 1993, entrou em vigor a Lei de Modernização dos Portos (Lei nº 8.630/93), que tinha como objetivo incrementar, por meio da modernização dos terminais, os portos brasileiros e, consequentemente, trazer investimentos privados como forma de aquecer a economia nacional.
Foi por força da Lei de Modernização dos Portos, que sucedeu a divisão dos portos, havendo, desde então, as instalações portuárias que se localizam dentro dos portos organizados, diretamente explorados pela União (ou por delegação, ou concessão desta a outrem); e as instalações portuárias que se localizam fora dos portos organizados, exploradas pela iniciativa privada.
De fato, este é o entendimento de Artur Miranda, servidor público, advogado e ex-presidente do Conselho da Comunidade do Distrito Federal:
Os portos organizados são os portos públicos, que podem ser explorados diretamente pela União ou indiretamente, através de delegação a estados, municípios ou sociedades de economia mista, ou até mesmo concessão a empresas privadas. Ocorre, porém, que desde 1993 nenhum porto organizado foi concedido à iniciativa privada.
Já as instalações portuárias localizadas fora de portos organizados são os Terminais de Uso Privado (denominação utilizada na Lei nº 12.815/2013, enquanto que na Lei nº 8.630/93 a denominação era “Terminal de Uso Privativo”), explorados pela iniciativa privada.
Desde o início da vigência da Lei nº 8.630/93, pode-se observar um aumento significativo no que tange à burocracia do funcionamento dos terminais de uso privado. Valendo-se do argumento de concorrência desleal contra os portos organizados, os terminais de uso privado foram obrigados, por exemplo, a movimentar maior volume de
carga própria do que de terceiros, o que de forma alguma atinge a intenção da lei. Dessa forma, para se cumprir com a burocracia, deveria se manter ocioso um terminal em plena capacidade de funcionamento, diminuindo sobremaneira o interesse da iniciativa privada nesses terminais.
A solução, ainda que parcial, para o imbróglio acerca do volume de carga terceirizada movimentada em terminais privados, veio com a Medida Provisória nº 595/2012, posteriormente convertida na Lei nº 12.815/2013 e que, atualmente, regula o setor portuário, que acabou com a obrigatoriedade da movimentação de carga própria nesses terminais, reestabelecendo a concorrência entre portos organizados e terminais de uso privado.
Dessa forma, tem-se, de um lado, o porto organizado, administrado pelo Poder Público, pela Autoridade Portuária; e de outro lado têm-se os terminais privados, cujas administração e gestão são exercidas pelo setor privado, embora ainda sujeitos à regulação do poder público, e é essa divisão das responsabilidades administrativas que gera, em muitos casos, dificuldade de compreensão do sistema às partes envolvidas. Ou seja, os terminais privados podem deter as responsabilidades administrativas, mas a Autoridade Portuária continuará com as responsabilidades governamentais sobre o terminal privado. As responsabilidades públicas da Autoridade Portuária são intransferíveis para o setor privado.
Os atos de gestão ou de administração necessários ao perfeito funcionamento dos terminais, aplicam-se em igual medida, quer para o porto organizado, quer para os terminais privados. São os casos dos atos necessários à administração financeira, procedimentos operacionais e logísticos, ou seja, qualquer ato que esteja de fato diretamente ligado a execução operacional do terminal ou porto. Entretanto, determinados atos são inerentes e exclusivos à administração pública.
A existência de portos públicos e portos privados, possivelmente no mesmo complexo portuário ou na mesma baía ou rio, leva o usuário e por vezes até mesmo outras Autoridades, como a Marítima, por exemplo, a confundir os atos administrativos da gestão privada ou mista com os atos públicos da efetiva Autoridade Portuária.
No sentido de dirimir as dubiedades que por ventura surgissem dessas relações, foi criado o Conselho da Autoridade Portuária, presidido por um representante da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), agência criada pela Lei Ordinária 10.233, de 05 junho de 2001, que dispões sobre a reestruturação dos transportes aquaviários e terrestres, criou o Conselho Nacional de Integração e Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
Neste sentido, o Art. 12 da Lei dispõe acerca das
diretrizes gerais do gerenciamento da infraestrutura e da operação dos transportes aquaviário e terrestre, destacando em seu inciso primeiro a necessidade de, sempre que possível, descentralizar as ações, promovendo sua transferência a outras entidades públicas, mediante convênios de delegação, ou a empresas públicas ou privadas, mediante outorgas de autorização, concessão ou permissão25.
Em análise, observa-se que o legislador, por um lado, estabelece lei com objetivo de descentralizar as ações, visando incrementar a competição e, por outro lado, estabelece a Presidência do Conselho da Autoridade da Portuária como incumbência da ANTAQ, centralizando os poderes junto à Agência reguladora.
Essa variedade de entidades que se auto investem na figura de Autoridade Portuária, privilegiadas pela lei que tinha em vista a descentralização da atividade do Governo Federal, mas que, na prática, apenas incluíram mais atores, levou a um profundo desequilíbrio das relações entre as entidades envolvidas e o consequente aumento dos
25 Referência: Lei Ordinária 10.233, de 05 junho de 2001
custos da cadeia produtiva, por vezes inviabilizando o setor econômico do Poder Marítimo.
De fato, da página da Autoridade Marítima local do Espírito Santo26 na internet, por exemplo, consta que, para exercer atividade de apoio portuário, auxiliando na infraestrutura capixaba, a empresa privada interessada deverá obter uma série de licenças e outorgas, com destaque para o título de armador (vide capítulo sobre Tribunal Marítimo). Entretanto, do website da Capitania dos Portos do Espírito Santo, link referente ao registro de armador, documentação necessária, letra i27; constata-se como obrigatório o contrato de afretamento ou arrendamento, ou outra forma de cessão de posse de embarcação ou contrato de armação, para obtenção do registro de armador. Como terceiro elemento da mixórdia, encontra-se na página da ANTAQ, no que tange ao afretamento28, a obrigatoriedade da empresa interessada possuir a outorga de apoio portuário emitida pela própria Agência, devendo para tanto a interessada possuir registro de armador.
Diante desse quadro, consta-se que a obtenção de um documento está vinculada à obtenção de outro documento e vice-versa; de forma que a obtenção de quaisquer dos dois documentos torna-se uma disputa entre a ANTAQ, seguindo suas próprias regras e regulamentos internos e a Capitania dos Portos do Espírito Santo, também seguindo suas Normas e Procedimentos da Capitania dos Portos do Espírito Santo (NPCP-ES).
Nesse diapasão, no Relatório de Auditoria Operacional da Fiscalização do Tribunal de Contas da União n. 280, mediante ato originário do Ministro Relator (TC 012.799/2018-1 Ministro Bruno Dantas), o relatório fez duras críticas ao Ministério dos
26 (Capitania dos Portos do Espirito Santo)
27 Disponível em: https://www.marinha.mil.br/cpes/. Acesso maio de 2019
28 Disponível em: https://antaq.wordpress.com/2016/03/10/resolucao-normativa-no-05-23022016/. Acesso maio de 2019.
Transportes e à ANTAQ. Houve, nos últimos anos, a criação de um grande número de regras, tanto pela Agência quando pelas Autoridades Portuárias locais, cujo atendimento pelas empresas que compõem o Poder Marítimo é praticamente impossível, enfraquecendo sobremaneira o transporte marítimo, deixando um rastro de evasão das empresas de navegação brasileiras do país ou ainda o simples desaparecimento das empresas brasileiras em prol das empresas estrangeiras, não sujeitas às mesmas regras e regulamentos que as empresas brasileiras.
De fato, observa-se que até o início da década de 1990, a maior parte do transporte marítimo nacional era feito por empresas brasileiras e por navios que arvoravam bandeira brasileira. Entretanto, após a Constituição de 1988 e a Lei de Modernização dos Portos, o que se constata é que mais de noventa por cento do transporte marítimo brasileiro é atualmente realizado por empresas e navios estrangeiros – conforme ANTAQ –, com única exceção para o transporte de hidrocarbonetos.
3.1 A FORMAÇÃO DOS TÉCNICOS DA AUTORIDADE PORTUÁRIA.
No Brasil, existem duas formas de se ocupar cargo no funcionalismo público, sendo uma por indicação à cargo de confiança da administração pública e outra por meio de concurso público, aplicando-se as mesmas regras aos técnicos que ocupam os cargos de Autoridade Portuária.
No que tange aos cargos de confiança lato sensu, esses estão à disposição de membros específicos dos três poderes do País e são, normalmente, ocupados por pessoas ligadas a partidos políticos, principalmente naqueles disponíveis ao Legislativo e ao Executivo. No que diz respeito aos cargos de Autoridade Portuária stricto sensu, estes estão sob a tutela do Poder Executivo, que faz a indicação direta de pessoa ao cargo de confiança, sem vinculação a nenhum tipo de formação que qualifique o indicado.
Por outro lado, no que diz respeito à ocupação de cargo mediante concurso público, mesmo aqueles que exigem nível superior, também não se verifica nenhuma vinculação à formação específica, bastando um diploma genérico de formação superior.
Em 2014, a ANTAQ, pela primeira vez desde a criação da Agência29, realizou concurso público destinando duas vagas para bacharéis em Ciências Náuticas. Entretanto, no que pese a boa qualificação para navegação, os bacharéis em Ciências Náuticas não possuem nenhum tipo de formação específica em direito internacional do mar, comércio internacional com ênfase marítima, ou quaisquer outras habilidades que, de fato, os qualifique para regular os portos e terminais aquaviários. Pode-se concluir, pela análise curricular da formação de um nauta que, pouco ou quase nada pode ser empregado na Agência que deve regular o setor aquaviário do país.
Ante todo o exposto, conclui-se que, conforme o entendimento de Otto Eduard Leopold Von Bismark, um dos maiores estadistas do Século XIX, o despreparo técnico ao exercício de função é, de fato, ainda mais prejudicial e maléfico ao setor do que leis mal escritas e falhas. De fato, à hostilidade da lei, se suportada e amparada por técnicos qualificados, o setor marítimo sobreviverá apoiado em sua magnitude e importante abrangência. Entrementes, às leis esmeradas e técnicos incapacitados, o setor marítimo, a exemplo de qualquer outro setor, sucumbirá.
O setor público brasileiro adotou, depois de 1988, um sistema com grande geração de legislação para atuar no setor marítimo, os órgãos que emitem a regulação da indústria marítima, incluindo o transporte marítimo, vem atuando de forma latente a derrocada do poder Marítimo brasileiro, com decréscimo da indústria naval, da Marinha Mercante e falência de portos e terminais. A Marinha do Brasil por meio de suas Capitanias, Agências e Delegacias, devem conviver diariamente com esses atores governamentais que por
29 Disponível em: https://biblioo.cartacapital.com.br/concursos-publicos/. Acesso maio de 2019
vezes criam dicotomia no transporte Marítimo. Dessa forma os representantes da Autoridade Marítima devem trabalhar cientes de que pouco pode-se confiar nos demais setores governamentais que legislam ou normatizam o transporte Marítimo brasileiro. A capacitação do Oficial da Marinha que ocupa e ocupará a posição de representante da Autoridade Marítima é de extrema importância para que dentro da latente sobreposição de leis e legislações a Marinha do Brasil permaneça como o alicerce forte do Poder Marítimo a quem a indústria e as empresas marítimas podem solicitar a interveniência em todo esse contexto envolvendo os atores governamentais.