2.1 ESTRUTURAÇÃO DA AUTORIDADE MARÍTIMA BRASILEIRA: CRIAÇÃO DAS CAPITANIAS DOS PORTOS E DA DIRETORIA DE PORTOS E COSTAS (DPC)
Dentro da estrutura vigente na atualidade a Autoridade Marítima Brasileira é exercida pelo Comandante da Marinha, e possui competência legal para o trato dos assuntos relacionados às Atribuições Subsidiárias da Marinha do Brasil, definidas conforme abaixo pelo Art. 17 da Lei Complementar n 97, de 09 de junho de 1999:
I – Orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional;
II – Prover a segurança da navegação aquaviária;
III – Contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar; e
IV – Implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo Federal e Estadual quando se fizer necessário, em razão de competências específicas.
Cabe, aqui, mencionar que as Atribuições Subsidiárias são aquelas conferidas legalmente à Marinha e que não são relacionadas ao preparo e emprego do Poder Naval para a defesa da Pátria, para garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e para apoio à política externa (Art. 142, capítulo II, da Constituição Federal).
Para o cumprimento e execução das tarefas atinentes à Autoridade Marítima, ou seja, às suas Atribuições Subsidiárias, o Comandante da Marinha conta atualmente com uma estrutura baseada na Diretoria de Portos e Costas, na qualidade de Diretoria Técnica, dos Comandos dos Distritos Navais distribuídos nas diversas regiões do país, bem como com a rede de Capitanias dos Portos com as suas Delegacias e Agências.
A estruturação da Autoridade Marítima para o cumprimento de suas tarefas é iniciada no Brasil por meio do Decreto 358, de 14 de agosto de 1845, quando o Governo do Império estabeleceu a criação de uma Capitania em cada Província Marítima, destinadas às tarefas de polícia naval, conservação dos portos, inspeção e administração dos faróis, balizamento, matrícula do pessoal marítimo e praticagem. As Capitanias eram diretamente subordinadas ao Ministro da Marinha do Império e respondiam também por quaisquer outros assuntos relacionados às atividades marítimas, denotando assim claramente o emprego do conceito de Autoridade Marítima dos dias atuais no cumprimento do seu papel.
Já no período da república, em 11 de junho de 1907, por meio do Decreto nº 6.509 foi então criada a Inspetoria de Portos e Costas, com a atribuição de inspecionar, fiscalizar e coordenar os serviços da Capitanias dos Portos, a Marinha Mercante e os Serviços de Praticagem no País. As Capitanias dos Portos deixaram então de ser subordinadas diretamente ao Ministro da Marinha passando à subordinação da Inspetoria de Portos e Costas.
Ao longo do tempo, a Inspetoria de Portos e Costas teve sua denominação alterada para Superintendência de Portos e Costas. Em 1923, pelo Decreto 16.237, de 5 de dezembro, o Ministério da Marinha sofreu nova reorganização administrativa e a Superintendência passou a ser denominada de Diretoria de Portos e Costas, mantendo as atribuições da antiga Inspetoria e da, então existente, Superintendência de Portos e Costas. Era diretamente subordinada ao Ministério da Marinha.
Posteriormente, em 1931, a Diretoria de Portos e Costas teve sua denominação alterada para Diretoria de Marinha Mercante, voltando à denominação de Diretoria de Portos e Costas por meio da lei nº 1.658, de 4 de agosto de 1952, mantendo a sua denominação até os dias atuais.
A DPC tem hoje suas atividades e organização estruturadas pela Portaria nº 013, de 30 de dezembro de 1997, do Diretor-Geral de Navegação, sendo responsável por:
– Elaborar normas no âmbito das suas atribuições como representante da Autoridade Marítima Brasileira;
– Atuar na área de Segurança do Tráfego Aquaviário;
– Atuar no Sistema de Ensino Profissional Marítimo;
– Normatizar e supervisionar a gestão ambiental das OM da MB;
– Acompanhar as políticas marítimas e as resoluções emanadas da Organização Marítima Internacional (IMO); e
– Efetuar a gestão de processos das Capitanias, Delegacias e Agências espalhadas pelo território nacional.
É possível observar que o modelo inicial de atuação da Autoridade Marítima, no exercício das suas atribuições, por meio das Capitanias dos Portos espalhadas pelo território nacional permanece sem alterações significativas, desde a sua criação, em função principalmente do seu alcance e eficácia para a fiscalização e o controle das atividades marítimas relacionadas às Atribuições Subsidiárias da Marinha.
Outro aspecto a destacar é que, na medida em que as demandas e a complexidade das tarefas foi se acentuando, houve a percepção clara e as ações necessárias, por parte das autoridades governamentais, no sentido da criação de um órgão capaz de normatizar, supervisionar, e coordenar as ações da Autoridade Marítima no exercício das tarefas da sua responsabilidade, culminando na estruturação da Diretoria de Portos e Costas nos moldes atuais.
2.2 A MIGRAÇÃO DO RTM PARA A LESTA
No que tange à regulamentação do tráfego de embarcações em águas brasileiras, um grande número de regulamentos foi criado a partir da Lei de Abertura dos Portos às Nações Amigas, em 1808. Dentre os regulamentos, destaca-se o Regulamento para o Tráfego Marítimo, que entrou em vigor por força do Decreto 87.648, de 24 de setembro de 1982, assinado pelo então presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo e alterado pelo Decreto 511, de 27 de abril de 1992, assinado pelo então presidente Fernando Collor de Melo.
O Regulamento para o Tráfego Marítimo determinava os princípios gerais para o tráfego marítimo, fluvial e lacustre e para a segurança da navegação em águas sob jurisdição brasileira. Estabelecia já em seu Artigo Primeiro, Parágrafo Único, que estavam sob jurisdição brasileira para efeito do regulamento as águas e seus leitos, federais, estaduais e municipais, constituídas pelas águas marítimas até o limite exterior da zona econômica exclusiva e águas dos rios, lagos, lagoas e canais. Em seu Artigo Segundo, determinava que aplicar-se-iam ao tráfego marítimo, fluvial e lacustres as leis, demais disposições trabalhistas, aduaneiras, fiscais, sanitárias de imigração de polícia marítima, além das normas nacionais e internacionais pertinentes, objetivando um transporte rápido, seguro, econômico e eficiente.
O Regulamento para o Tráfego Marítimo abrangia as embarcações brasileiras – salvo as pertencentes à Marinha do Brasil, quando em águas sob jurisdição nacional ou em alto-mar, em águas estrangeiras, respeitadas, nesse caso, a soberania do Estado ribeirinho e as normas constantes dos atos internacionais ratificados pelo Brasil –, as embarcações estrangeiras quando em águas sob jurisdição nacional, os navios de guerra estrangeiros nos casos previstos nas regras para visitas, estabelecidas em legislação específica; as embarcações empregadas nos serviços públicos federal, estadual e
municipal; os hidroaviões quando na superfície da água; os veículos anfíbios quando na superfície da água; os veículos que navegam sobre colchão de ar; as plataformas tripuláveis; os veículos submarinos; os estaleiros, carreiras, diques e oficinas de reparos e de construção naval; o pessoal da Marinha Mercante e os amadores, conforme discriminado no regulamento; as obras sob, sobre e às margens das águas; e a extração de minerais às margens ou no leito das águas.
Em seu Artigo Sexto, o Regulamento para o Tráfego Marítimo atribuía ao Ministério da Marinha a segurança da navegação e a segurança nacional, a Marinha Mercante Nacional e demais organizações e atividades correlatas, inclusive a formação e os requisitos profissionais dos seus tripulantes; a segurança da navegação aquaviária; realização da praticagem militar e supervisão da praticagem civil no que interessa à segurança da navegação e à defesa nacional; a polícia naval, visando à fiscalização do contido no regulamento, normas decorrentes, convenções e acordos internacionais sobre navegação ratificados pelo país, e da poluição das águas causadas por embarcações e terminais marítimos, fluviais e lacustres; bem como também a patrulha costeira objetivando, principalmente, controlar, no que interessa à defesa nacional, o uso das águas sob jurisdição nacional e o uso da plataforma continental.
Nesse sentido, uma análise atenta e detalhada do Regulamento para o Tráfego Marítimo revela que o legislador tentou ao máximo esgotar o assunto do tráfego marítimo em águas jurisdicionais brasileiras, bem como em embarcações brasileiras, ainda que em mar aberto ou em águas internacionais. Buscou esmiuçar todos os aspectos que pudessem ser pertinentes ou relevantes, de alguma forma, para o Brasil, utilizando-se, para tanto, da experiência adquirida pela Marinha do Brasil desde a época do Império para legislar sobre o Poder Marítimo5 de forma ostensiva e pragmática.
5 Poder Marítimo: Poder Marítimo, na concepção do Almirante Flores (1972), se constitui na integração dos meios relacionados com o mar, para fazer uso deste, visando ao progresso, desenvolvimento e segurança de um país e abrange
Alfred Mahan defende em seu famoso livro, The Influence of Sea Power Upon History, que o Poder Marítimo é uma expressão do Poder Nacional, resultante de uma série de condicionantes geográficas, históricas e sociais, as quais fazem com que determinadas nações se tornem mais capacitadas do que outras a se fazerem presentes nos mares.
Após a eleição indireta para Presidente da República de 1985, o RTM foi alvo de diversas contestações judiciais que questionavam a legitimidade da Marinha do Brasil como Autoridade Marítima Brasileira.
Naquele momento, surgia no Brasil um forte movimento para desmilitarização do setor público, que, naturalmente, levou a própria Marinha do Brasil a questionar sua capacidade e recursos para o exercício da função de Autoridade Marítima do país.
Nesse diapasão, na matéria intitulada Transferência de Responsabilidade, publicada pela Revista Portos e Navios, em novembro de 1991, pôde-se observar com clareza as tratativas entre a Marinha do Brasil e o Governo Federal no sentido de retirar da primeira a atribuição de Autoridade Marítima Brasileira. Para a matéria, foi entrevistado o Vice-Almirante Sérgio Tavares Doherty, então Diretor de Portos e Costas, que declarou que […]a sociedade civil deve assumir, cada vez mais, a responsabilidade pela manutenção da segurança no mar, deixando para a Marinha de Guerra, as funções referentes à defesa […].
O próprio ministro da Marinha, Almirante Mário Cesar Flores, manifestou a mesma opinião, dizendo que alguns países latino-americanos já adotaram esse modelo.
Na mesma matéria, o Vice-Almirante Doherty prosseguiu, revelando que a DPC estava articulando um convênio com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia –
todos os recursos: sua parcela do Poder Militar no mar por meio da Marinha de Guerra, a Marinha Mercante, as indústrias de construção e reparos navais , os portos, as indústrias de pesca e os meios de exploração e preservação dos recursos do mar.
CONFEA – órgão que reúne, em nível nacional, todos os Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia –, com o objetivo de estabelecer um trabalho conjunto. O Diretor de Portos e Costas afirmava haver falta de recursos e de pessoal pela DPC para realizar fiscalização em toda a costa brasileira. Nesse sentido, considerava que, caso o convênio se concretizasse, o problema poderia ser atenuado. Outra sugestão levantada à época pelo DPC era a de aproveitar marítimos desempregados no auxílio às vistorias. Por essa proposta, que já havia sido encaminhada ao Centro de Capitães da Marinha Mercante, os marítimos realizariam vistorias técnicas, sem o poder, entretanto, para a emissão de certificados.
Pela análise da entrevista publicada na matéria supramencionada, depreende-se que a Marinha, naquela ocasião, julgava não possuir as condições e recursos necessários para o exercício da função de Autoridade Marítima e, diante daquela realidade, buscava recursos externos que lhe permitissem atuar de forma mais incisiva e eficaz na função. Pode-se observar que a questão, para o Diretor de Portos e Costas, era obter recursos materiais e humanos para o exercício da função, mas não abrangia a legitimidade da Marinha enquanto Autoridade Marítima. Para o DPC, conforme reportagem na mesma revista Portos e Navios,
o convênio com os CREAs (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) não seria uma delegação de competência a esses conselhos, mas de troca de informações sem, no entanto, descartar a possibilidade de que técnicos desses órgãos possam acompanhar vistorias promovidas pela DPC.
De fato, observa-se, na entrevista, que a Marinha julgava não ter as condições materiais necessárias ao exercício da atividade de Autoridade Marítima e empenhava-se em buscar recursos externos na forma de convênios como medida para sanear a questão, sem, contudo, delegar sua competência legal a outrem. Nesse sentido, o então DPC faz a declaração anterior.
No entender do Vice-Almirante Doherty, os convênios poderiam ser o início de um processo de transferência de responsabilidade pela segurança no mar para a sociedade civil – estratégia que considerava, ainda, a possibilidade da participação da SOBENA (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval). Lembrou ainda que, na Argentina, a Prefectura Naval (órgão semelhante à DPC no Brasil) não é vinculada à Marinha desde 1983; e que no Chile, apesar de a fiscalização permanecer a cargo da Marinha, os profissionais encarregados têm formação específica com as funções que exercem.
Nesse sentido, o Diretor de Portos e Costas reforça que a desvinculação entre o Poder Naval e a Autoridade Marítima já havia acontecido em nações vizinhas ao Brasil, o que lhes havia trazido uma melhoria no que tangia à fiscalização naval. A grande rotatividade de pessoal e o quadro numérico insuficiente de engenheiros para a fiscalização dos estaleiros foram apontadas como grandes dificuldades da DPC à época e a solução apresentada pelo Diretor seria o aproveitamento de Oficiais da Marinha Mercante desempregados – número que superava o meio milhar, com cerca de 350 oficiais de náutica e uns 200 de máquinas – no auxílio às vistorias.
Não deixa dúvidas, portanto, que, no início dos anos 1990, para o Diretor de Portos e Costas, como representante da Marinha do Brasil, as atividades da Autoridade Marítima deveriam ser delegadas a um órgão civil, inclusive com a possibilidade de serem desenvolvidas por um órgão não governamental – como a participação da SOBENA, por exemplo. Tal delegação traria, com efeito, vantagens para a sociedade civil e para a própria Marinha, no entender do DPC à época.
Outrossim, além do problema da falta de pessoal preparado para atuar no auxílio à Autoridade Marítima, apontou ainda o DPC para problemas de estruturação, evidenciado pela falta de controle da Marinha do número total de embarcações que estavam, então, registradas no Brasil. O número apresentado era apenas estimado,
baseado em cálculos não confiáveis, atribuindo a dificuldade de controle, entre outros motivos, à duplicidade de nome de registro de muitos barcos. A medida para a solução do problema de controle das embarcações que estavam registradas no Brasil, seria, para o DPC, um acordo que estava em negociação entre Marinha e Receita Federal, que facilitaria o monitoramento desses barcos.
No fim da entrevista, o Diretor declarou que se encontrava em estudo uma nova Lei de Segurança na Navegação, que substituiria o RTM, […] ainda estão em mãos do ministro da Marinha […], que teria por finalidade não apenas normatizar a questão da segurança, mas também estabelecer responsabilidades e medidas efetivas para o pleno controle da navegação em embarcações e em águas nacionais.
No que concerne à matéria, restou evidenciada a intenção da Marinha do Brasil de abrir mão da investidura de Autoridade Marítima. Um par de soluções e alternativas foram apresentadas pelo Diretor de Portos e Costas aos problemas de fiscalização e controle enfrentados pela DPC naquele momento; entretanto, todas as soluções apresentadas envolviam órgãos externos – a nenhuma solução interna –, que proporcionariam à Marinha do Brasil as ferramentas necessárias ao exercício das atividades de Autoridade Marítima de forma mais eficiente, tais como: aumento do efetivo de servidores militares na DPC, aquisição de sistemas e computadores que melhorariam o controle das vistorias e do registro de embarcações, entre outros. Evidencia-se a já tomada de decisão interna pela Marinha de não investir na DPC, delegando as atribuições da Autoridade Marítima a algum outro órgão civil, o que deveria ocorrer com a criação da nova Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário.
No que tange à questão da atribuição de competência da Autoridade Marítima, esta foi sanada quando entrou em vigor a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lei n.º 9.537, de 11 de dezembro de 1997), que estabeleceu a Marinha do Brasil como
Autoridade Marítima Brasileira e que delegou ao preposto desta Autoridade, na figura do Diretor de Portos e Costas, a competência para regular o setor marítimo brasileiro e regulamentá-lo por meio das Normas da Autoridade Marítima (NORMAM).
O modelo de uma Autoridade militar normatizando um setor civil, no Brasil, não se ateve apenas à Marinha. Na esteira da gigantesca evolução tecnológica experimentada pelo mundo no século XX, o Brasil pôde observar a aviação surgir e evoluir a passos largos. Foi diante da então nova realidade de transporte de bens e pessoas que o governo brasileiro acabou por criar a Força Aérea Brasileira. A nova Força tornou-se responsável por normatizar o setor aéreo, controlando o espaço aéreo e interagindo com a sociedade civil em toda a sua extensão. Entretanto, diferentemente do que ocorreu com a Marinha do Brasil, na segunda metade da década de 1990, com a criação das agências regulamentadoras, a FAB acabou por afastar-se da interação com a aviação civil, mantendo o controle do tráfego aéreo, mas sem a atribuição de normatizar o setor civil.
A LESTA surge buscando estabelecer conceitos importantes para o setor – como a segurança do tráfego aquaviário, a regulação das embarcações de bandeira estrangeira em águas jurisdicionais brasileiras –, estabelecer as atribuições da Autoridade Marítima e definindo critérios para a delegação dessas atribuições.
De fato, no contexto da segurança do tráfego aquaviário em águas jurisdicionais brasileiras, a LESTA dispõe, no § 1º do Art. 1º que
as embarcações brasileiras, exceto as de guerra, os tripulantes, os profissionais não-tripulantes e os passageiros nelas embarcados, ainda que fora das águas sob jurisdição nacional, continuam sujeitos ao previsto nesta Lei, respeitada, em águas estrangeiras, a soberania do Estado costeiro.
O Parágrafo Segundo do mesmo Artigo estabelece que “as embarcações estrangeiras e as aeronaves na superfície das águas sob jurisdição nacional estão sujeitas, no que couber, ao previsto na própria LESTA”.
Ao estabelecer as atribuições da Autoridade Marítima, a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário determina
que cabe à Autoridade Marítima promover a implementação e a execução desta lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.
Entretanto, ressalva no Parágrafo Único do Artigo que “no exterior, a autoridade diplomática representa a autoridade marítima, no que for pertinente à LESTA”.
Em que pese ter a Lei estabelecido ao antigo Ministério da Marinha o exercício da Autoridade Marítima, estabeleceu também, em seu Artigo Sexto, a possibilidade de delegar algumas de suas atribuições aos municípios. De fato, vejamos:
Autoridade Marítima poderá delegar aos municípios a fiscalização do tráfego de embarcações que ponham em risco a integridade física de qualquer pessoa nas áreas adjacentes às praias, quer sejam marítimas, fluviais ou lacustres.
Nesse diapasão, a Lei de Segurança do tráfego Aquaviário chegou não só para regulamentar a segurança do tráfego aquaviário, mas também para atribuir à Marinha do Brasil, definitivamente, a função de Autoridade Marítima brasileira, estabelecendo suas competências, poderes e limites de atuação e encerrando quaisquer dúvidas que ainda pairassem sobre o assunto.
2.3 A DISPUTA PELA SEGURANÇA DO TRÁFEGO AQUAVIÁRIO
Não obstante haver a Lei de Segurança do tráfego Aquaviário estabelecido, em seu Art. 39, as funções da Autoridade marítima à Marinha do Brasil, as agências reguladoras do Governo Federal também foram investidas de poderes legais, inclusive de normatização, sobre o setor. Assim, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), que detinha a regulação dos portos, passou também a regular o setor da navegação comercial – Marinha Mercante –, direta e indiretamente, por meio das Companhias Docas, que eram designadas como Autoridade Portuária.
No cenário de criação das agências reguladoras e levando em consideração os rumos diferentes seguidos pela Marinha do Brasil e pela Força Aérea Brasileira há mais de vinte anos, poder-se-ia entender pela necessidade de estabelecer uma comparação dos caminhos escolhidos e suas causas e efeitos para as Forças envolvidas, para a sociedade civil e para o país como um todo. De fato, a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira possuíram, por mais de cinquenta anos, legislações semelhantes no que tange ao controle marítimo e ao controle aéreo, respectivamente. Nos últimos anos do século XX, porém, tomaram rumos totalmente distintos nas questões de normatização do setor público. De um lado, vimos a FAB deixando a aviação civil nas mãos da Agência Nacional de Aviação Civil e, do outro lado, assistimos à Marinha do Brasil repartindo o controle do setor marítimo entre Diretoria de Portos e Costas e da Agência Nacional de Transportes Aquaviário.
A priori, considerando os diferentes rumos adotados pela Marinha do Brasil e pela Força Aérea Brasileira, pode-se buscar estabelecer uma comparação a fim de estabelecer qual conduta mostrou-se mais vantajosa para as Forças militares e para o país: a manutenção ou o abandono do poder de normatização das questões civis relativas à segurança da navegação. Entretanto, a criação da ANTAQ e a sobreposição dos poderes regulatórios e normatizadores dessa agência aos poderes da DPC quebram os parâmetros de comparação, tornando-a inócua.
Diante desse cenário, a Autoridade Marítima Brasileira, no início da década de 1990, e considerando um contexto de um ainda recém-nascido governo civil, cria que havia na Marinha do Brasil uma falta de material humano e logístico que impossibilitava a atuação da Força na regulação da segurança do tráfego aquaviário. Acreditava, então, que outras instituições da sociedade civil estariam mais preparadas para o exercício dessa atividade. Ocorre que o legislador pátrio, auxiliando-se da atuação e pesquisa de
diferentes instituições da sociedade civil organizada, apurou que, por sua atuação histórica no setor, a Marinha do Brasil era, de fato, a entidade mais preparada para atuar e regular a segurança da navegação. A própria dúvida que a Marinha do Brasil demonstrava acerca de sua capacidade para atuar como Autoridade Marítima demonstra que a Força Armada era, de fato, a mais preparada para o exercício da atividade. Em realidade, qualquer entidade que não questione suas próprias qualidades e capacidades incorre em erro, caindo certamente em um espiral de falta de autoavaliação, de capacidade de reorganização e reestruturação, deixando de enxergar o ambiente e as necessidades ao redor. Nesse sentido, apesar da visão distorcida da realidade que a própria Marinha do Brasil tinha à época, o fato é que ela trabalhava com o material recebido naquele contexto histórico e que representava uma sombra da realidade. Ao questionar as próprias habilidades, manteve, porém, a coragem intelectual para descobrir a sua capacidade em atuar com maestria na regulação do setor marítimo.
Nesse sentido, Elza Rodrigues aponta, acerca da Alegoria da Caverna, de Platão, que esta “é uma apologia a coragem intelectual, o ato de descobrir a si mesmo, renegando a cópia das coisas como se fossem verdadeiras e conduzindo-se a um processo de autoconhecimento”. 6
Ocorre que, ao delegar à Marinha do Brasil os encargos de Autoridade Marítima por meio da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, o legislador pátrio não estabeleceu um paralelo entre os rumos adotados pela MB e pela FAB, optando pela análise histórica dos fatos. De fato, em 1997, quando da entrada em vigor da LESTA, a Marinha já atuava como Autoridade Marítima há cento e oitenta e nove anos. O que se buscava, então, era
6 RODRIGUES, Elza Maria. Um breve estudo sobre a educação na República de Platão
experiência para atuar na legislação marítima, o que não se podia encontrar facilmente em setores da sociedade civil, ainda que, pela sugestão da própria Autoridade Marítima, se tratassem de Oficiais de Náutica e Máquina da Marinha Mercante, do CREA, da SOBENA ou do Centro de Capitães da Marinha Mercante. Mesmo que alguns interagissem diretamente com as necessidades marítimas, muito pouco acrescentariam às necessidades normativas do setor.
Em que pese a sensatez do legislador pátrio em nomear a Marinha do Brasil como Autoridade Marítima, o Governo Federal já havia criado as Agências Reguladoras e, a partir da entrada em vigor da LESTA, o transporte marítimo no Brasil passou a ser regulado por duas entidades autônomas, de um lado a MB e, de outro lado, a ANTAQ. A princípio, a MB ficou com a parte que poderia causar dano à vida humana no mar, assuntos pertinentes à segurança da navegação e das vias navegáveis, enquanto a ANTAQ ficaria com a regulação comercial e administrativa do transporte marítimo.
Com efeito e conforme preceituado no Art. 37, inciso XIX, da Carta Magna de 1988, autarquias são pessoas jurídicas de direito público, criadas por lei específica, que dispõem de patrimônio próprio e realizam atividades típicas do Estado, de forma descentralizada e, sendo a ANTAQ uma Autarquia Federal, não seria uma novidade no direito administrativo brasileiro que diferentes autarquias regulassem o mesmo setor da sociedade civil. Entrementes, ao dividir a função reguladora do setor marítimo entre uma autarquia e a mais antiga das Forças Armadas nacional, que atua na defesa e regulação das águas marítimas e fluviais nacionais desde o século XVIII, o legislador e a sociedade civil não tardaram a sentir os efeitos de normatizações dúbias e, por vezes, antagônicas e sobrepostas, de tal sorte que muitos ruídos afetaram e ainda afetam a interação entre a Autoridade Marítima (MB) e a ANTAQ, agora Autoridade Portuária.
Nesse sentido, na página institucional do website da ANTAQ7, depreende-se que a própria Agência Reguladora coloca entre as suas finalidades a regulação, a supervisão e a fiscalização das atividades do transporte aquaviário, dedicando-se à segurança nas vias aquaviárias brasileiras. Efetivamente:
A ANTAQ tem por finalidade implementar as políticas formuladas pelo Ministério da Infraestrutura, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos na legislação. É responsável por regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte aquaviário e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária. A Agência dedica-se a tornar mais econômica e segura a movimentação de pessoas e bens pelas vias aquaviárias brasileiras, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas. Arbitra conflitos de interesses para impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica, e harmoniza os interesses dos usuários com os das empresas e entidades do setor, sempre preservando o interesse público. (Grifos Nossos).
Por sua vez, a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências, estabelece, em seu Art. 3º, que
Cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução desta Lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.
E nomeia a Marinha do Brasil como Autoridade Marítima brasileira.
Ante o exposto, está constatada a sobreposição de poderes e autoridades entre a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e a Marinha do Brasil, ambas imbuídas na função de regular e normatizar a segurança do tráfego aquaviário no país.
No contexto da sobreposição dos poderes das autoridades marítima e portuárias que se apresenta na regulação da segurança do tráfego aquaviário, o que se observa e, considerando a larga experiência e eficiência extrema com a qual a Marinha do Brasil
7 Referência: Agencia Nacional de Transportes Aquaviário – ANTAQ. Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/institucional/a-antaq/. Acesso em maio de 2019
conduziu e conduz suas atividades, é que foi natural que a ANTAQ tentasse ocupar um espaço que não era de sua competência, buscando agregar valor na prestação de um serviço já estabelecido, cuja infraestrutura já estava pronta e para o qual bastaria dar continuidade.
Ocorre que a sobreposição de autoridades traz problemas de grandes proporções à sociedade brasileira como um todo e, em especial às empresas brasileiras de navegação e aos próprios técnicos que compõem as estruturas administrativas públicas e privadas, além de ser catastrófica à soberania do país. Regras confusas geram instabilidade jurídica e administrativa ao empresariado e à sociedade brasileira. De fato, havendo duas autoridades legislando sobre o mesmo assunto e de forma independente, as normatizações podem, e verdadeiramente acontece, ser contraditórias, repetitivas, interdependentes ou independentes; o que mais que duplica as chances de uma empresa se perder no emaranhado de legislações e normatizações sobrepostas e ser penalizada por isso. Nesse cenário, resta às empresas contratar mais pessoas, outras empresas e consultorias a fim de mitigar o risco do não cumprimento das diversas legislações ambíguas em vigor ou trabalhar sob o risco de não cumprimento de norma ou legislação vigentes. Ambas as possibilidades têm por consequência o aumento do custo do frete, aumento do custo do reparo naval e o aumento do custo das instalações portuárias e marítimas e, no mesmo sentido, a presunção de maiores riscos implicam o aumento da margem de lucros para arcar com possíveis penalizações, e a soma de todos esses fatores implica, consequentemente, o aumento do custo do transporte marítimo e dos assuntos do Poder Marítimo.
De fato, sendo o Estado uma pessoa jurídica, ainda que de direito público, pode- se estabelecer um paralelo entre sua atuação na consecução de seus interesses com o da atuação de uma empresa – pública ou privada – na consecução de seus próprios interesses,
invariavelmente, o lucro. Os problemas enfrentados pelo transporte marítimo, mais particular pelas empresas brasileiras de navegação, e que colocam em risco suas possibilidades de lucro, são trazidos, principalmente, pela dúvida acerca de quem seguir, ou seja, se é a Autoridade Marítima na parte da segurança do tráfego aquaviário ou a Autoridade Portuária no mesmo quesito. Dessa forma, aplicando as regras estratégicas do General Sun Tzu, em sua ontológica obra A Arte da Guerra, o empresariado entende os riscos que significam ao seu negócio a instabilidade e sobreposição de autoridades, além de servir para imobilizar o poder público. Sobre essa insegurança, o General preconiza:
Assim pois existem três maneiras pela qual um príncipe leva o exército ao desastre. Quando um príncipe, ignorando as ações, ordena avançar aos seus exércitos ou retirar-se quando não devem fazê-lo; a isso se chama imobilizar o exército. Quando um príncipe ignora os assuntos militares, porém compartilha em pé de igualdade o mando do exército, aos soldados acabam confusos. Quando o príncipe ignora como levar a cabo as manobras militares, porém compartilha por igual sua direção, os soldados estão vacilantes. Uma vez que os exércitos estão confusos e vacilantes, iniciam os problemas procedentes dos adversários. A isso se chama perder a vitória por transtornar o aspecto militar.
De fato, há muitas décadas, as grandes empresas multinacionais e corporações vêm aplicando as táticas desenvolvidas por Sun Tzu; em especial, no que se refere à conquista de terrenos, sendo o termo “terreno” aqui interpretado como a efetiva área de atuação da empresa. Nessa corrente de interpretação, as grandes empresas consideram o ganho de terreno como o efetivo aumento da área de atuação, mediante a expansão de seu mercado sobre o mercado da concorrência. Verdadeiramente, ao tomar um mercado de uma concorrente, seja por meio da compra ou de quaisquer outras táticas de mercado, como fusão, por exemplo, a empresa estará entrando em um mercado consumidor já consolidado, não precisando perder tempo com sua conquista e com reduzidas chances de fracasso. Com as autarquias governamentais, o princípio aplicado foi e se mantém o mesmo: ao invadir a área de atuação da Marinha do Brasil, segurança do tráfego aquaviário, a ANTAQ garante uma qualidade de prestação de serviço já consolidada e de excelência reconhecida pela sociedade, com o mínimo de esforço.
Nesse mesmo sentido, e corroborando com a teoria do General Sun Tzu, que preceitua a necessidade de conquista dos terrenos-chaves, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários não menciona em nenhum lugar de seu website que, entre suas atribuições, está o combate ao roubo armado de embarcações. Na esfera de atuação da Polícia Federal, é algo extremamente malvisto pela sociedade e que abala sobremaneira a visibilidade do Brasil ao comércio exterior. De fato, a Agência cirurgicamente escolhe agregar às suas atribuições a segurança do transporte aquaviário ao combate ao roubo armado, entendendo que o primeiro “terreno” é vantajoso para instalar seu “acampamento”, embora ainda ocupado pelo “inimigo”, a Marinha do Brasil. De fato, vejamos o que diz o General acerca dos “terrenos disputados”:
Chamo de disputados os lugares convenientes para os dois exércitos, onde tanto o inimigo quanto nós mesmo estaremos em vantagem, onde se pode instalar um acampamento cuja posição, independentemente de sua utilidade própria, pode prejudicar o adversário, e impedir-lhe a visibilidade. Esses lugares podem e devem ser disputados. São terrenos-chave (Grifos Nossos).
A importância do transporte marítimo no Poder Marítimo é fundamental para uma nação, e mitigar a sobreposição de regras é essencial e estratégico ao desenvolvimento econômico e social do país. O grau estratégico do transporte marítimo é amplamente tratado por Alfred Thayer Mahan, que buscou demonstrar em suas pesquisas históricas a importância que o mar tinha para o desenvolvimento das nações; compreender os princípios que governavam a guerra do mar desde a antiguidade e despertar na classe política dos Estados Unidos da América a centralidade das políticas navais para o seu desenvolvimento.
Destarte, para Mahan, está o transporte marítimo abrangido pelo Poder Marítimo, que se caracteriza por sua amplitude e se concretiza na capacidade política, econômica e militar de um país em usar o mar; enquanto o Poder Naval é mais restrito e se manifesta como poder especificamente militar.
Efetivamente, apesar do prejuízo da tradução dos termos Poder Marítimo e Poder Naval, o contexto da divisão de responsabilidades dessas instituições seria, para Mahan, baseado em uma trindade de aspectos político-econômicos essenciais, quais sejam: uma forte economia produtiva, posto que a “capacidade de produzir bens” para troca e comercialização trariam consequente desenvolvimento ao país; o “transporte marítimo”, por meio da Marinha Mercante com os recursos obtidos ao realizar o transporte de bens; e a “existência de outros países”, de forma a haver o comércio. Nesse aspecto, pode-se observar que os países que dependem do mar acabam conduzindo suas políticas e legislando ao encontro das teorias de Mahan8. No Brasil, Dom João VI nomeia a Marinha do Império como Autoridade Marítima, determinando que essa controlasse a trindade, suportando, de todas as maneiras, o poder marítimo brasileiro. Posteriormente, com o surgimento do Regulamento do Tráfego Marítimo (RTM), substituído pela LESTA, a Marinha do Brasil se mantém como sustentáculo à trindade de Mahan, porém, sujeita à forte sobreposição da ANTAQ e das Autoridades Portuárias locais.
2.4 VISIBILIDADE DA MARINHA DO BRASIL COM A LESTA
Em palestra ministrada na Escola de Guerra Naval, no dia 27 de fevereiro de 2019, o Almirante de Esquadra, Leonardo Puntel, Diretor Geral de Navegação, ressaltou que a metodologia adotada pelo Brasil ao concentrar o Poder Marítimo e o Poder Naval sob a responsabilidade da Marinha do Brasil foi assunto de apreciação do Secretário-Geral da Organização Marítima Internacional (IMO). Para o Secretário Geral da IMO, Sr. Kitack Lim, o Brasil seria um dos mais importantes Estados-Membros da Organização, composta por cento e setenta e quatro países, e contribui significativamente para as decisões políticas definidas pela Organização.
8 Referencia: MAHAN, ALFRED – The Influence of Sea Power Upon History 1660 – 1783 – . Publicado por Ditactic Press 2013.
Seguindo na direção de apresentar sua Diretoria, o Almirante Puntel traçou um paralelo entre Brasil e Estados Unidos da América, demonstrando que a área de atuação da Marinha do Brasil equivale à área de atuação de cinco diferentes instituições norte- americanas, quais sejam: US Navy, com dever de atuação militar; US Marine Corps, equivalente aos fuzileiros navais brasileiros; US Coast Guard, a guarda costeira americana, com função de patrulhar a costa americana e coibir atos ilícitos e proteção ao território; NOA (National Oceanic and Atmospheric Administration) – equivalente à DHN (Diretoria de Hidrografia e Navegação) – e MARAD (Maritime Administration) – equivalente à Marinha Mercante Brasileira.
No mesmo sentido, foi exposto que navegam diariamente em águas jurisdicionais brasileiras cerca de 1.600 embarcações, das quais aproximadamente sessenta e dois por cento são barcos pesqueiros, com cerca de 100 de arqueação bruta. As demais embarcações são navios mercantes cargueiros, em sua grande maioria, e navios especiais na lavra, exploração e pesquisa de hidrocarbonetos na plataforma continental brasileira. A vigilância e o monitoramento dessas embarcações são realizados diuturnamente pela Marinha do Brasil. Cumpre salientar que, além da navegação marítima, o Brasil possui dezenas de vias interiores navegáveis, importantes para o transporte de cargas e passageiros, subsistência de populações ribeirinhas (pesca e irrigação de seu micro lavoura de subsistência), geração de energia e irrigação, com rica biodiversidade e que também requer as mesmas ações de segurança.
Dados divulgados no Relatório sobre Vias Economicamente Navegáveis, da ANTAQ, de março de 2018, apontam que o Brasil possui 41.994 km de trechos de vias interiores navegáveis, dos quais 19.464 Km constituem vias economicamente navegadas9; servindo os números como um pequeno indicativo da magnitude da atuação
9 Fonte: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ. Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/navegacao/interior/. Acesso em maio de 2019
e interação da Marinha do Brasil com a sociedade brasileira, apenas possível pela promulgação da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário.
Numa analogia considerando o triângulo de Eric Grove10 e a necessidade por este apresentado de balanço entre as independentes bases de uso do mar – diplomacia, política e força militar –, nota-se a forte presença da Marinha do Brasil em todos os seus aspectos: na força militar, por meio de seus recursos de guerra; na diplomacia, mediante sua representação permanente na Organização Marítima Internacional; e na política, pelo poder de normatização da Diretoria de Portos e Costas.
Nesse sentido, faz-se importante destacar o entender de Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz, em sua trindade paradoxal – forças armadas, povo e governo –, especialmente no que tange ao fenômeno da guerra, bem como destacar o entender de Mahan no que concerne aos aspectos políticos e econômicos para o desenvolvimento do poder marítimo. Ambos os autores concordam que os assuntos políticos deveriam ser tratados por políticos e, por outro lado, entendiam que a guerra era assunto de seus comandantes militares. Para Clausewitz, o elo que uniria a trindade paradoxal seria um controle único e coerente. Dessa forma, a atuação da Marinha do Brasil em todas as áreas – política, reguladora e militar –, de forma eficaz, merece especial destaque pelo esforço e corrobora com o elogio do Secretário-Geral da IMO.
Como Autoridade Marítima brasileira, a Marinha do Brasil tem a oportunidade de representar todas as convenções marítimas internacionais, que aqui cabem destacar:
– International Convention for the Safety of Life at Sea (SOLAS) – estrutura, compartimentagem, estabilidade, máquinas, instalações elétricas, proteção, detecção e extinção de incêndio; meios de salvamento e de sobrevivência, meios de comunicação,
10 Fonte: Sea Control 148 – United Kingdom Maritime Strategy with Dr. Eric Grove.
segurança de navegação, transporte de mercadorias perigosas e gerenciamento de segurança;
– International Convention on Standards of Training, Certification and Watchkeeping for Seafarers (STCW/1978), emendado em 2010 – Emendas de Manila
– estabelece padrões de instrução, certificação e serviço de quarto para marítimos/gente do mar); e
– International Convention for the Prevention of Pollution from Ships – (MARPOL) – poluição por óleo, poluição por substâncias líquidas nocivas, substâncias perigosas embaladas, poluição por esgoto, poluição por lixo e poluição atmosférica.
Além dos limites da Organização Marítima Internacional, a Marinha do Brasil atua diretamente junto à Organização Internacional do Trabalho, com a sujeição dos navios de bandeira brasileira à Maritime Labor Convention11 – MLC/2006, em vigor desde 2013. No que pese não ser o Brasil signatário da MLC/2006, cabe à MB garantir sua aplicação sempre que os navios nacionais estiverem operando em portos de países signatários.
Em que pese haver a LESTA retirado da MB a autoridade para legislar sobre assuntos laborais de pessoal embarcado, o que de fato já foi função da Marinha do Brasil determinado pelo RTM até 1997, cabe destacar que a assinatura do MLC/200612 pelo Brasil delegará à MB o poder de fiscalização sobre o pessoal embarcado no que tange às questões laborais (novamente), ampliando, ainda mais, os poderes desta Força e sua visibilidade.
11 Convenção sobre o Trabalho Marítimo.
12 A Convenção sobre o Trabalho Marítimo (MLC 2006) foi adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 07/02/2006, e entrou em vigor, internacionalmente, no dia 20/08/2013. Ela tem como propósito garantir à gente do mar condições de trabalho em harmonia com as regras universais da dignidade humana, sem representar obstáculo ao transporte marítimo mundial. A Convenção é aplicável aos navios de arqueação bruta igual ou superior a 500, que realizam viagens internacionais ou que arvoram a bandeira de um Estado-Membro e que operam a partir de um porto, ou entre portos, em outro país.
Porém, entre todas as funções exercidas pela Marinha do Brasil, a que destaca mais visibilidade, segundo o Diretor Geral de Navegação, é a posição de Autoridade Marítima (palestra de 27 de fevereiro de 2019 – Escola de Guerra Naval). De fato, a enorme importância da função da Marinha enquanto Autoridade Marítima é sustentada pela representação desta em todas as questões marítimas internacionais, de sua responsabilidade em território nacional, somada com a interlocução que ocorre entre a Autoridade Marítima local por meio das Capitanias dos Portos, Delegacias dos Portos, Agências dos Portos e Agências Fluviais com toda a sociedade brasileira. Em verdade, quanto maior a interação da Marinha do Brasil com a sociedade brasileira, maior será a visibilidade da força perante o povo e, nesse aspecto, a Marinha do Brasil leva vantagem sobre as demais forças armadas (Exército e Aeronáutica).
Com efeito, à exceção das questões de acionamento da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), em uma situação de paz, não há nenhum outro ato ou atribuição que possa trazer tanta visibilidade para as forças armadas como a representação dada a Marinha do Brasil como Autoridade Marítima brasileira.
Com uma atuação célere, a Marinha do Brasil pode se tornar a instituição de maior visibilidade do poder Executivo brasileiro, considerando que cerca de 95%13 porcento das importações e exportações de cargas brasileiras passam pelos portos nacionais. Em verdade, o Brasil depende do comércio marítimo para o equilíbrio da balança comercial. Soma-se o fato de que a maior parte das reservas de hidrocarbonetos – recurso essencial para a sobrevivência do povo brasileiro –, no Brasil, encontram-se em solo marinho ou ribeirinho, cabe, então, à Marinha do Brasil a regulação da vertente econômica sobre a
13 Fonte: Agência Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ. Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/institucional/a-antaq/. Acesso maio de 2019.
exploração e aproveitamento sustentável dos recursos vivos e não-vivos; a regulação da vertente ambiental no uso racional do mar e à preservação do meio ambiente; a regulação da vertente científica que trata sobre o conhecimento e a vertente da soberania na esfera da segurança e defesa.
Diante da abrangência de suas atuações, observa-se que a Marinha do Brasil atende aos mais diversos setores sociais, regulando áreas que abrangem desde grandes Sociedades Empresariais ao usuário de uma pequena embarcação de esporte e recreio, por exemplo. Enquanto Autoridade Marítima, é preciso estabelecer critérios diferentes de atuação diante de diferentes representantes da sociedade, a fim de garantir que todos tenham suas necessidades e anseios atendidos prontamente. Nesse sentido, é preciso que a MB enxergue os diferentes atores do Poder Marítimo, desenvolvendo ao máximo suas diversas competências14.
Sendo assim, Jose Carlos Moreira, pioneiro dos estudos de marketing industrial no Brasil, sustenta que a empresa que se coloca ao lado do cliente (giro de 180 graus) passa a analisar a perspectiva dele, consegue fugir da comodidade danosa do foco induzido pelo próprio cliente, permitindo que tenham acesso ao que nem imaginavam precisar, superando expectativas e melhorando resultados. E é esta visão que, segundo o autor:
Revela a paisagem que os olhos e sentidos do cliente registram e que compõem a base sutil que está delineando as suas verdadeiras necessidades muito antes delas estarem prontas para serem verbalizadas por ele mesmo. É um dos mais inteligentes e eficazes processos para anteciparmos o que é importante para o cliente, trazendo à sua vista, de maneira inusitada, o que ele sempre quis e não soube pedir.
Dessa forma, sustenta que o foco no cliente representa uma mudança na cultura, o começo e a alavanca para o fortalecimento mercadológico da instituição. Para o autor,
Quando conseguimos fazer o foco da instituição ser o mesmo do cliente, a estrutura se torna mais sólida e os resultados tendem a acontecer de forma mais rápida.
14 Referencia: Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário – LESTA
E no mesmo diapasão e a avaliação do vice-presidente da ABRH-RS15, Ério Nascimento, integrante do Comitê Organizador do CONGREGARH16 2015 que declarou que há necessidade de uma mudança cultural na gestão das instituições, na prática seria enxergar a relação não entre as instituições não como uma estrutura de competição, mas sim de alta colaboração e integração de conceitos, modelos, processos e principalmente de pessoas.
Com efeito, José Carlos Moreira estabelece ainda que a área de gestão de pessoas dentro das organizações tem papel fundamental em sustentar a estratégia, não permitindo minimizar apenas em processos e produtos, mas influenciar nas atitudes da instituição materializadas por todas as pessoas que a integram.
Dessa forma, é preciso que a Marinha do Brasil, enquanto Autoridade Marítima, direcione seus esforços para atuar junto a um cidadão usuário de uma embarcação de esporte e recreio, que sempre necessitará de um produto ou serviço, bem como para atuar junto às empresas, onde as competências empresariais tornam-se o grande foco.
No contexto do marketing industrial, a empresa que interage com a Autoridade Marítima tem noção de que ela faz parte do Poder Marítimo e, por isso, não quer ser tratada como mera “cliente” pela MB, mas sim como “coautora”, buscando cooperação e esperando que compartilhem seu sonho de futuro.
A fim de atingir os objetivos de eficácia no atendimento aos diferentes atores, alguns desafios devem ser considerados, dentre os quais o autor destaca o desenvolvimento dos colaboradores; nesse caso, os Oficiais da Marinha do Brasil, que estão em contato com o cliente, que passam a ser os responsáveis pela observação e organização dos sinais que deverão compor as futuras ofertas de valor da instituição para
15 Associação Brasileira de Recursos Humanos – Rio Grande do Sul.
16 Congresso da Associação Brasileira de Recursos Humanos do ano de 2015.
este cliente, no caso, usuário; inverter o sentido de olhar de toda a organização do “de dentro pra fora” para “o de fora para dentro”; redesenhar o sistema de gestão, que deve passar a não só considerar os aspectos quantitativos (como as metas de curto prazo), mas também os aspectos qualitativos (o que o cliente/usuário pode representar no longo prazo).
Ante o exposto, considerando a enorme visibilidade que a LESTA trouxe à Marinha do Brasil enquanto Autoridade Marítima, faz-se necessária a manutenção da excelência de suas atividades, bem como o aprimoramento dela, a fim de destacar essa atuação aos olhos da sociedade brasileira.
2.5 ESTÁGIO PREPARATÓRIO PARA PRAÇAS DESIGNADAS PARA CAPITANIAS, AGÊNCIAS E DELEGACIAS
Com o intuito de qualificar a praça que servirá nas funções de representante da Autoridade Marítima, a Marinha do Brasil formulou o Estágio Preparatório para Praças Designadas para Capitanias, Delegacias e Agências – ESPRAC. O estágio tem modalidade semipresencial e é conduzido pelo Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (CIAGA), sob coordenação da Diretoria de Portos e Costas – DPC.
O estágio em referência é composto por uma primeira fase à distância – online –, que pode ser cursado em até cinquenta dias – noventa e duas horas – e uma segunda fase, presencial, que preferencialmente será realizada na Capitania a qual a praça foi designada. Entretanto, por questões de economia de recursos, a fase presencial também pode ser realizada na Capitania mais próxima de onde a praça esteja servindo.
O ESPRAC, é dividido em suas duas fases, sendo a maior delas, cerca de setenta e oito por cento, realizado à distância. Apenas vinte horas são cursadas na modalidade presencial, com requisitos aos tutores que são pré-estabelecidos pela Diretoria de Portos e Costas para garantir a boa qualificação da praça.
Em uma análise detalhada do currículo, observa-se que há uma ampla diversidade dos assuntos a serem estudados e aos quais a praça deve ser qualificada. Não obstante a importância da qualificação da praça, chama a atenção a questão do tempo de qualificação, ou seja, o número de horas para a qual a praça é destinada a ser qualificada. Ainda em análise ao currículo do estágio de preparação da praça que servirá nas Capitanias, Delegacias e Agências, chama a atenção o pouco tempo destinado para o estudo de cada matéria. Como exemplo, no currículo ESPRAC, no que tange ao Serviço de Atendimento ao Público17, são reservadas exatamente vinte horas aula, à distância, para estudo de vinte e duas capacitações. Em uma divisão aritmética simples, sem levar em consideração a complexibilidade das matérias, sobrarão cinquenta e quatro minutos para o estudo de cada um dos itens nos quais pretende-se gerar qualificação à praça. Destaca-se que as disciplinas presentes no item em destaque são de extrema relevância para a forma como a sociedade percebe a Marinha do Brasil, ou seja, para a visibilidade
da MB.
Nesse sentido, salienta-se que a praça que realizará o atendimento ao público é, por vezes, a única pessoa que representa a Marinha do Brasil com quem o cidadão terá contato, ou seja, a praça para o cidadão é a Marinha do Brasil.
Em comparação ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, que ministra cursos de atendimento ao cliente, considerando as horas de formação do ESPRAC, este seria disponibilizado através de workshop18. Destaca-se que os cursos de preparação e capacitação do SENAC, para receberem a designação de “curso”, devem possuir quantidade muito superior de horas/aula do que aquelas exigidas no currículo em referência, em resumo, o ESPRAC não seria considerado um curso ou estágio, para o
17 ESPRAC, p. 16, Módulo dois de E, item 1.
18 Referência: SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). Disponível em: https://www.rj.senac.br/cursos/administracao-e-gestao/tecnicas-basicas-de-atendimento-ao-cliente- workshop/. Acesso em maio 2019.
SENAC, mas sim um workshop devido ao número de horas aula destinado.
Observa-se, aqui, um elevado grau de exposição da imagem da Marinha do Brasil devido à formação disponibilizada à praça que deverá interagir com a sociedade brasileira.
2.6 ESTÁGIO PREPARATÓRIO PARA OFICIAIS DESIGNADOS PARA CAPITANIAS, AGÊNCIAS E DELEGACIAS
Em consonância com o estágio destinado às praças, a Marinha do Brasil formulou estágio preparatório para os Oficiais Designados para Capitanias, Delegacias e Agências
– ESPOC. O estágio, também na modalidade semipresencial, é conduzido pelo Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (CIAGA) e está sob a coordenação da Diretoria de Portos e Costas (DPC). Não há dúvidas que o currículo do estágio ESPOC é muito mais robusto do que o do ESPRAC.
O estágio conta com duas fases: a primeira à distância, com duração máxima de noventa dias, e a segunda presencial, com duração de treze dias. O currículo prevê visitas e palestras ao Tribunal Marítimo, à Procuradoria Especial da Marinha e à Escola de Guerra Naval.
Em que pese a formação do Oficial da Marinha, bem como o suporte técnico e assessoramento disponível na rede da DPC e na Marinha do Brasil, a complexidade e diversidade dos assuntos tratados envolvem um nível de conhecimento técnico cada vez mais elevado, em especial para o Decisor, no caso do Capitão dos Portos, Delegado ou Agente, pois as decisões tomadas em nome da Autoridade Marítima são invariavelmente relevantes para as atividades econômicas locais e para a sociedade de uma maneira geral. É certo que as demandas relacionadas às Capitanias, Delegacias e Agências crescem em volume e complexidade, seja pela superposição de normas e regulamentos, conforme já mencionado, ou pelo número de atores e instituições envolvidas na atividade
marítima, ou mesmo por uma maior visibilidade que é exigida das instituições nos dias atuais.
Apesar da credibilidade adquirida pela Marinha no seio da sociedade brasileira, e a qualidade dos serviços que vem sendo prestados pela Autoridade Marítima, o esforço contínuo no sentido de aperfeiçoar os métodos e sistemas relacionados às suas tarefas, com comprometimento e objetivos bem definidos, sempre foi e permanecerá sendo uma preocupação constante da Marinha na elaboração de suas políticas com uma visão voltada para o futuro. Ainda neste sentido é notório que a Marinha conta com diversos Corpos e Quadros de Oficias e Praças, de qualificações diversas, primando pela seleção e formação do seu pessoal invariavelmente por meio de processos seletivos rigorosos.
Considerando então a relevância e a complexidade crescente do papel da Autoridade Marítima para o País, conforme já amplamente discorrido, e as exigências relacionadas ao nível de preparo de todo o pessoal envolvido, que seria recomendável elaborar uma política a ser conduzida, analisando os recursos humanos existentes e as necessidades atuais e futuras.
As atividades marítimas sabidamente envolvem uma gama de conhecimentos extensa, a exemplo de legislação internacional, normas técnicas, engenharia naval, ciências náuticas, mecânica, cartografia, dentre outras. A Marinha conta com recursos humanos capacitados em praticamente todas as áreas mencionadas19, a exemplo do Corpo de Engenheiros formados nas diversas especialidades, dos advogados pertencentes ao seu Quadro Técnico, de Oficiais Hidrógrafos do Corpo da Armada para as atividades relacionadas a hidrografia e oceanografia, e com Praças das mais diversas especialidades. Cabe avaliar se não haveria espaço nos seus efetivos para o preparo de um Grupo específico de Oficiais e Praças, com formação voltada às as demandas relacionadas às
19 (referência Lei dos Corpos e Quadros da Marinha)
tarefas atribuídas à Autoridade Marítima. Além da formação normal em Corpos e Quadros a serem selecionados de acordo com as habilitações requeridas, bem como da experiencia prévia adquirida na diversas comissões na Marinha, num determinado ponto da carreira o pessoal selecionado complementaria os conhecimentos por meio de cursos e treinamentos sob orientação da DPC e em entidades externas à Marinha, quando necessário, de modo a compor um grupo de especialistas. A rotatividade desse grupo seria um fator a ser analisado e harmonizado de acordo com os requisitos de carreira. Cabe também mencionar que a Marinha conta ainda com a possibilidade de recrutar Oficias de diversas formações e habilitações para o seu Quadro Técnico, complementando sua especialização no decorrer da carreira conforme as necessidades da Força.
Não obstante, comparativamente ao Programa de Ensino Profissional Marítimo para Aquaviários (PREPOM)20, especificamente o curso de Aperfeiçoamento para Oficiais de Náutica (APNT) nota-se que, por exemplo, apenas para a aula acerca de “seguro e sociedade classificadora”21, é previsto um tempo presencial de oito horas/aula, enquanto que no estágio ESPOC, na segunda fase do curso, presencial, no item IX, “vistoria e sociedade classificadora”, são previstos quatro horas/aula.
Observa-se que a sociedade classificadora é a entidade reconhecida pela Marinha do Brasil para endossar diversos certificados de navegação das embarcações de bandeira brasileira e bandeira estrangeira, inclusive o próprio Certificado de Segurança da Navegação (CSN). No Brasil, a Diretoria de Portos e Costas, por meio da Norma da Autoridade Marítima número seis (NORMAM 06)22, descreve as normas para o reconhecimento de sociedades classificadoras e certificadoras (entidades especializadas)
20Referência: Centro de Instrução Almirante Graça Aranha – Ensino Profissional Marítimo. Disponível em: https://www.marinha.mil.br/ciaga/sites/www.marinha.mil.br.ciaga/files/Inscri%C3%A7%C3%A3o/PREP OM-aquaviarios2019_alt%2028.pdf. Acesso em maio de 2019
21 Item 15.8 – V.
22 Disponível em: https://www.marinha.mil.br/dpc/normas. Acesso em maio de 2019
para atuarem em nome do governo brasileiro.
Estabelecendo um paralelo entre importância e a relevância dos profissionais que são designados para realizarem os cursos de ESPOC e APNT, observa-se ser deveras mais relevante o conhecimento para o futuro representante da Autoridade Marítima do que para o Oficial da Marinha Mercante que tripulará um navio. Entretanto, o curso APNT possui
o dobro do número de aulas do que o curso ESPOC. Ambos os cursos são realizados na mesma instituição, CIAGA, onde espera-se que haja uma razoabilidade no ensino. Destaca-se que não há como acelerar a capacitação de um profissional a ponto de que um curso consiga gerar a mesma capacitação em metade do tempo.
Dessa forma, há que se considerar que, embora muito bem detalhado, o curso ESPOC deveria ser mais extenso a fim de capacitar o Oficial da Marinha de uma forma onde seja gerada mais capacitação23 para exercer o cargo de representante da Autoridade Marítima.
2.7 HABILITAÇÃO DE EMBARCAÇÕES DE ESPORTE E RECREIO
A Autoridade Marítima Brasileira normatiza a habilitação de pessoas para navegarem em embarcações de esporte e recreio por meio da Norma da Autoridade Marítima de número três (NORMAM 03).
Conforme redação em corpo, a NORMAM 03 objetiva:
estabelecer normas e procedimentos sobre o emprego das embarcações de esporte e/ou recreio empregadas exclusivamente em atividades não comerciais, visando à segurança da navegação, à salvaguarda da vida humana e à prevenção da poluição ambiental por parte dessas embarcações no meio aquaviário.
Além das embarcações que constituem o Poder Marítimo, o Brasil foi agraciado com mares relativamente calmos e diversas vias navegáveis de beleza incomensuráveis. Dessa forma, era claro o interesse da população em buscar nos esportes aquáticos uma
23 EMA – capacitação é a geração de competência ao profissional que exercerá uma determinada função.
opção de laser. De fato, o Brasil possui milhares de embarcações de esporte e recreio de diversos tipos, tamanhos e formas, que abrangem desde pequenos barcos à vela, moto- aquáticas, lanchas e grandes iates, todos frequentando as águas brasileiras.
Nesse sentido, a NORMAM 03 estabelece, de forma estruturada, uma profunda interação entre a Marinha do Brasil e os governos municipais e estaduais, além de regular também o relacionamento da Marinha do Brasil com outras entidades civis, tais como clubes náuticos e marinas. Para tanto, a NORMAM delega às Capitanias, Delegacias e Agências a responsabilidade por esta interação.
A NORMAM 03 estabelece ainda a forma de habilitação dos condutores das embarcações de esporte e recreio, que pode ser obtida na Autoridade Marítima local ou ainda em locais delegados pela Autoridade Marítima. Essa forma mista descreve uma profunda interação entre entidades civis e a Autoridade Marítima Local.
Nesse aspecto, a forma de interação entre a Marinha do Brasil e o usuário, nesse caso o amador, é o fornecimento de um produto ou serviço. O amador não faz parte do Poder Marítimo, para ele a utilização das vias navegáveis está diretamente ligada ao lazer pessoal e familiar, de tal forma que a interação com a Autoridade Marítima deve ser consideravelmente diferente daquela utilizada pela MB para lidar com uma empresa que faz parte do Poder Marítimo, atendendo ao preceituado por José Carlos Moreira.
A correta interação entre a Autoridade Marítima local, através da NORMAM 03, com os moradores dos municípios e estados pela Autoridade representados, trará visibilidade positiva para a instituição, proporcionando vantagens para toda a Marinha do Brasil.
2.8 TRIBUNAL MARÍTIMO E OS INQUÉRITOS ENVIADOS PELAS CAPITANIAS DOS PORTOS
Pela análise do Tribunal Marítimo, no início da década de 1930, o crescente aumento de acidentes da navegação em águas brasileiras evidenciava a necessidade de se criar no Brasil um órgão técnico, voltado para a avaliação das causas e circunstâncias dos acidentes de embarcações nacionais, onde quer que estivessem, e estrangeiras, quando em águas jurisdicionais brasileiras, de maneira a não ficar à mercê das decisões dos tribunais marítimos estrangeiros. Havia, portanto, uma questão de soberania em pauta.
Em 21 de dezembro de 1931, por meio do Decreto n. 20.829, criava-se a Diretoria de Marinha Mercante, subordinada diretamente ao Ministério da Marinha. Da mesma forma, em seu art. 5º, foram criados os tribunais marítimos administrativos, subordinados a essa nova Diretoria. Entretanto, o Decreto autorizou apenas a implementação e o funcionamento do Tribunal Marítimo Administrativo do Distrito Federal, enquanto as necessidades do serviço e os interesses da navegação não demonstrassem a conveniência da divisão do território nacional em circunscrições marítimas. Posteriormente, em julho de 1933, o Decreto n. 22.900 desvincula o Tribunal da Diretoria da Marinha Mercante, passando a ser diretamente subordinado ao Ministro da Marinha. Um ano mais tarde, o Decreto n. 24.585, de 5 de julho de 1934, aprovou o Regulamento do Tribunal Marítimo Administrativo, data considerada como a de efetiva criação do Tribunal. Nesse Regulamento, abandona-se a ideia de divisão do território nacional em circunscrições marítimas, sendo confirmada a existência de apenas um Tribunal Marítimo, com sede, na então, capital federal, Rio de Janeiro.
O Tribunal Marítimo, conforme preceitua o artigo 1° , da Lei n. 2.180, de 5 de fevereiro de 1954, é um órgão autônomo, com jurisdição em todo o território nacional, auxiliar do Poder Judiciário, vinculado ao Comando da Marinha, e tem como atribuições
aquelas previstas no artigo 13 desta mesma Lei, sendo elas: julgar os acidentes e fatos da navegação, deferindo-lhes a natureza e determinando-lhes as causas, circunstâncias e extensão, indicando os responsáveis e aplicando-lhes as penas estabelecidas nesta lei, e propondo medidas preventivas e de segurança da navegação. O Tribunal Marítimo também deve manter o registro geral da propriedade naval; da hipoteca naval e demais ônus sobre embarcações brasileiras; e dos armadores de navios brasileiros.
Posteriormente, em 08 de janeiro de 1997, por meio da Lei n. 9432, o Tribunal Marítimo ficou responsável, também, pelo Registro Especial Brasileiro (REB), constituindo-se em uma medida de apoio e estimulo à Marinha Mercante nacional e à Indústria Naval Brasileira.
O registro no Tribunal Marítimo é fato de sublime importância para o Poder Marítimo Brasileiro. É o Tribunal Marítimo que outorga uma empresa do Brasil a ser um Armador Brasileiro, por meio do Certificado de Título de Armador, emitido conforme preconizado no parágrafo único do artigo dezoito da Lei n. 7.652, de 03 de fevereiro de 1988, bem como conforme o artigo primeiro da portaria dezoito do Tribunal Marítimo, de 28 de outubro de 2002. As empresas brasileiras compõem juntamente com seus navios brasileiros o Poder Marítimo. O Tribunal Marítimo ainda é o órgão que registra todas as embarcações nacionais, ou seja, de bandeira Brasileira.
Quando um acidente ou fato da navegação ocorre, imediatamente é instaurado um inquérito pela Autoridade Marítima Local, que pode ser uma Capitania, Delegacia ou Agência; que deverá seguir o fluxograma do inquérito administrativo, partindo da comunicação do fato, seguindo a ordem cronológica para o encarregado do inquérito, escrivão/peritos, exame pericial, depoimentos/acareações, juntada de documentos (esses últimos três conhecidos como fase de instrução); seguindo para o relatório, conclusão da Capitania dos Portos, notificação do indiciado, defesa prévia do indiciado, Tribunal
Marítimo e Procuradoria. O procedimento é válido para todo e qualquer fato da navegação, que necessariamente seguirá o mesmo trâmite, de tal forma que, independentemente do tipo de embarcação – mercante, esporte e recreio ou militar –, todos estarão sujeitos ao mesmo rito.
Os inquéritos do Tribunal Marítimo são mais uma oportunidade de visibilidade positiva para a Marinha do Brasil. De fato, além de estar subordinado à Marinha do Brasil, o Tribunal vem realizando um trabalho excepcional, conforme descrito na revista do Tribunal Marítimo em matéria realizada com o presidente do Centro dos Capitães da Marinha Mercante em quinze de maio de 2019. Na revista, o presidente do CCMM, Comodoro José Álvaro de Almeida Junior, declara abertamente que, na visão do Centro de Capitães da Marinha Mercante, o Tribunal Marítimo é uma instituição que goza de profunda admiração pelo Poder Marítimo, que auxilia sobremaneira a serenidade do transporte marítimo brasileiro, pois as empresas e os comandantes responsáveis pelo transporte, quando em navios brasileiros ou quando navegando em aguas jurisdicionais brasileiras, são sabedores que possuem um órgão técnico de excelência para cuidar de eventualidades que são inerentes à aventura marítima.
Dado ao levantamento realizado, a MB exerceu e continua exercendo a atividade de Autoridade Marítima desde o Brasil colônia até o momento atual, sua atividade é de extrema importância para a soberania do país e a Marinha evolui conforme a necessidade da sociedade brasileira, passando inclusive por períodos que houveram questionamentos internos a respeito se a MB deveria ser a Autoridade Marítima Brasileira, entretanto a própria sociedade decidiu que a Autoridade Marítima Brasileira deveria continuar sendo a Marinha do Brasil. Diante desse fato e dada a complexidade da delegação imposta pela LESTA, a Marinha do Brasil deve se preparar de forma a criar a capacitação em seus
Oficiais e Praças para exercerem a função de representantes da Autoridade Marítima Brasileira, o que vem ocorrendo, mas de forma incipiente e pouco explorativa.
A atividade de Autoridade Marítima realizada pela Marinha do Brasil é a atividade que gera a maior visibilidade da Força perante a sociedade brasileira24, dessa forma, a Marinha do Brasil deve destacar especial atenção e esforços para atender aos anseios da sociedade brasileira e do Poder Marítimo do Brasil.