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Partes 4 e 5 – O Futuro da Interação Entre a Autoridade Marítima e a Autoridade Portuária

AUTORIDADE-MARÍTIMA-PARTES-4-E-5

4 O FUTURO DA INTERAÇÃO ENTRE A AUTORIDADE MARÍTIMA E A AUTORIDADE PORTUÁRIA

Fazendo uma breve análise histórica da legislação brasileira desde o Pacto Colonial emitido no século XVI, passando pela Abertura dos Portos as Nações Amigas no ano de 1808, criação das Capitanias dos Portos de 1845, criação da Lei do Lloyd Brasileiro de 1890, criação da Diretoria de Portos e Costas de 1923, criação do Regulamento do Tráfego Marítimo de 1982 e 1992, Lei da Modernização dos Portos de 1993, Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário de 1997, lei 10.233 de 2001, na Lei nº 12.815/2013, somadas a todas as demais leis afins que permearam e ainda permeiam o Poder Marítimo, conclui-se que até o final do século XX, as modificações conceituais nas leis chegavam a levar séculos, mas observa-se que o intervalo entre as alterações da legislação do Brasil vem diminuindo sensivelmente, culminando nos últimos vinte anos a períodos inferiores a dez anos para cada modificação.
Baseando-se no triangulo de Eric Grove, onde as bases do uso do mar são galgadas na diplomacia, política e força militar, deve existir um equilíbrio permanente entre as bases do triângulo, caso contrário, se uma das bases não estiver consolidada, o uso do mar

ficará comprometido.

Ainda na analogia do triangulo de Eric Grove, a parte do Poder Marítimo que envolve o transporte marítimo necessita de profunda estabilidade para ter um negócio perene. Conforme matéria elaborada pelo Instituto Brasileiro de Rebocagem, a vida útil de um navio mercante gira em torno de vinte anos, levando-se cerca de quinze anos para que haja a plena depreciação da embarcação, em outras palavras uma empresa, usualmente, estima que o navio necessita de quinze anos para ser pago, quando o Estado legisla em períodos muito curtos, alterando suas leis em períodos inferiores ao tempo médio para o pagamento dos navios, ocorre uma derrocada do transporte marítimo, e consequentemente gerando o enfraquecimento do Poder Marítimo.

4.1 O EFEITO NEGATIVO DE UMA REGULAÇÃO MAL ELABORADA PARA O PODER MARÍTIMO BRASILEIRO
Segundo reportagem conferida pela Associação Brasileira de Apoio Marítimo, órgão que representa os armadores de apoio marítimo encarregados da lavra de hidrocarbonetos no leito marinho (entrevista concedida a revista Portos e Navios dezenove de março de 2019), dos 326 navios de apoio marítimo brasileiros, 70 estavam parados, ou seja, 21,5% da frota de navios de apoio marítimo brasileiro parados, sendo a idade média dessas embarcações inferior a dez anos.
O motivo de um percentual tão elevado foram as alterações na legislação pertinente do país, mudando conceitos estabelecidos, para novos e inviabilizando por parte do legislador a operação das embarcações construídas com bandeira brasileira.
Com o Poder Marítimo fragilizado, o uso do mar passa a ser opção dos países estrangeiros, abalando não só a soberania nacional, como também a balança comercial brasileira, cabe ressaltar que a legislação pertinente dos países com vocação ao transporte marítimo e a construção naval a exemplo da Dinamarca, Grécia, Itália, entre outros,

possuem pouca mudança em sua legislação, garantindo as empresas de navegação perenidade em seu negócio.

4.2 O CENÁRIO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Mostra-se então que o cenário das legislações brasileiras tende a crescer, conforme apresentado no primeiro parágrafo desse capítulo, com o surgimento de novas leis e regras, impactando o Poder Marítimo. Nesse aspecto, a Autoridade Marítima, apesar de manter-se há mais de vinte e dois anos regida por apenas uma lei de 1997 e atuando dentro do preconizado no seu papel constitucional, também sofrerá os impactos negativos da sobrepujança das regras da Autoridade Portuária.
A metodologia adotada pelas Autoridades Portuárias para nomeação de seus técnicos é, como já abordada no capítulo anterior, deveras passíveis a problemas de regulação.
A nomeação dos diretores da agência reguladora ocorre por indicação política realizada pelo Poder Executivo e aprovada pelo Poder Legislativo, seguindo os ritos constitucionais que regem essa matéria; já a nomeação dos técnicos da agência ou das Autoridades Portuárias locais, em sua maioria, ocorre por meio de concurso público, em que não há necessidade de comprovação ou formação afim relativa à operação portuária. Fazendo um paralelo aos maiores portos do mundo como Rotterdam, onde o
Estado possui universidades, destacando-se a chamada ERASMUS, com programas de graduação e pós-graduação voltados para a operação portuária; não obstante, seguindo rumo semelhante aos holandeses, nos portos dos Estados Unidos da América, existem universidades com programas de graduação e pós-graduação aplicados pela MARAD (Maritime Administration), destacando-se, nesse caso, a academia de Kings Point30.

30 Disponível em: https://www.usmma.edu/. Acesso em maio 2019.

Ainda no Oriente, existe na China formação específica para a área portuária.

Cabe salientar que todos países citados possuem comércio marítimo pujante e que mantêm o triangulo de Eric Grove devidamente equilibrado por meio de um Poder Marítimo estruturado.
Fazendo uso da famosa frase de James Russell Lowell, “Educar a inteligência é dilatar o horizonte dos seus desejos e das suas necessidades”. A solução para uma interação que gere divisas para o país entre a Autoridade Marítima e a Autoridade Portuária está na formação adequada dos técnicos das instituições que regulam o Poder Marítimo. Atualmente, a Autoridade Portuária está órfã de técnicos capazes de regular o setor com a eficiência e a particularidade de que necessita, como mencionou Etienne Bonnot de Condillac: o verdadeiro órfão é aquele que não recebeu educação.

4.3 A PREPARAÇÃO DA AUTORIDADE MARÍTIMA BRASILEIRA

Como já visto no capítulo 2 desse trabalho, a Autoridade Marítima está em um patamar superior em referência à eficiência quando comparada com a Autoridade Portuária, entretanto, mesmo ocupando um patamar superior ainda existe grandes desafios no cumprimento de suas atribuições como Autoridade Maritima.
No dia 15 de fevereiro de 2019, em almoço realizado pelo Centro de Capitães da Marinha Mercante no Iate Clube do Rio de Janeiro, o Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, ex-comandante da Marinha do Brasil, declarou em discurso acerca das dificuldades da função de Autoridade Marítima: “[…] de todas as funções que ocupei em minha carreira incluindo a de Comandante da Marinha, a mais desafiadora foi ser capitão dos portos […]”.
Os altos escalões da MB se esforçam para manter o triangulo de Eric Grove equilibrado, entretanto, conforme mencionado anteriormente, os Oficiais da Marinha também não possuem uma formação específica a respeito da labuta como Autoridade

Marítima.

A capacitação dos técnicos que exercerão as funções delegadas por suas instituições (Autoridade Marítima e Autoridade Portuária) metodologicamente contribuirá na criação de uma interação propícia entre as entidades e por consequência o crescimento do Poder Marítimo, gerando harmonia entre os normatizadores do setor.
Com técnicos preparados de forma exemplar, mesmo que haja sobreposição do legislador, os técnicos saberão interpretar as regras para propiciar a melhor solução para o Poder Marítimo brasileiro (Otto Eduard Leopold von Bismarck Schönhausen, p. 53)31. Seguindo esse paralelo, a solução está na formação dos técnicos que ocuparão as posições de Autoridade do setor.

4.4 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA MARINHA DO BRASIL

Steven Fink declarou que “é uma lei imutável que na batalha campal entre a percepção e a realidade a percepção sempre vence”32. A Marinha do Brasil vem se preparando há vários anos para desenvolver da melhor forma possível o dever de Autoridade Marítima Brasileira. Atualmente, cerca de dez por cento de todo o contingente de recursos humanos da Marinha do Brasil33 está envolvido diretamente ou indiretamente como representante da Autoridade Marítima, servindo desde uma pequena delegacia ou agência até no Comando da Marinha do Brasil, nessa questão não basta a MB entender que está realizando um serviço exemplar como Autoridade Marítima, porque o que de fato prevalecerá será a percepção da sociedade brasileira.

31 Otto Eduard Leopold von Bismarck Schönhausen, foi um nobre, diplomata e político prussiano e uma personalidade internacional de destaque do século XIX, conhecido como o chanceler de ferro, foi o estadista mais importante da Alemanha do século XIX – proclamou que com leis ruins e funcionários bons, ainda é possível governar. Mas com funcionários ruins as melhores leis não servem para nada.
32 FINK, STEVEN – Crisis Comunications. McGraw Hill Education eBooks.
33 Referência: Tabela Mestra de Força de Trabalho da Marinha do Brasil.

De fato, a Autoridade Marítima é o representante legal do país, no que tange aos assuntos da navegação em águas nacionais, bem como no que tange aos assuntos das embarcações nacionais em águas estrangeiras. Nesse sentido, Luciano Melo Ribeiro34 afirma que
a Autoridade Marítima é o representante legal do país, responsável, entre outras atribuições pelo ordenamento e regulamentação das atividades da Marinha Mercante, cabendo a ela promover a implementação e a execução da Lei de Segurança do tráfego Aquaviário (LESTA), com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana no mar; a segurança da navegação em mar aberto e hidrovias interiores; e a prevenção da poluição (hídrica) por parte de embarcações plataformas ou suas instalações de apoio.

No que concerne ao exercício da Autoridade Marítima, este cabe ao Comandante da Marinha, que tem competência para o trato dos assuntos que cabem à Marinha do Brasil como atribuições subsidiárias, enquanto ao que concerne à sua estrutura, essa é composta por assessores, que são designados pela MB e por representantes da Autoridade Marítima para que tratem dos assuntos da segurança da navegação e do meio ambiente; daqueles relativos à Marinha Mercante; relativos à segurança do tráfego aquaviário; dos relacionados aos organismos internacionais; os de investigação científica marinha e bens submersos; e para os assuntos da Antártica e recursos do mar.
No que tange à Cabotagem brasileira, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários divulgou35 que, apenas no exercício de 2018, este tipo de navegação teria crescido 2,98%, transportando mais de cento e sessenta e um milhões de toneladas de carga pelos portos das costas brasileira.
Entretanto, observa-se que o aumento no volume do transporte da cabotagem no Brasil apresentado pela Agência está, na realidade, mascarado pelo aumento do número de navios na costa brasileira.

34 Marinha do Brasil Protegendo Nossas Riquezas, Cuidando da Nossa Gente, 2017, ed. Action, p. 112.
35 Referência: Agencia Nacional de Transporte Aquaviário – ANTAQ. Disponível em: http://portal.antaq.gov.br/index.php/2019/02/18/aumenta-o-transporte-no-longo-curso-e-na-cabotagem/. Acesso em 2019.

Ocorre que, após a abertura das novas eclusas do Canal do Panamá, houve um considerável aumento nas dimensões dos navios Porta Conteiners. No período anterior à construção das novas eclusas, os navios que passavam pelo Canal do Panamá eram conhecidos como “Panamax” e suas dimensões eram vinculadas ao tamanho máximo das eclusas disponíveis à época e, portanto, consideravelmente menores que as atuais dimensões. Atualmente, os navios classe “Panamax” estão em fase de paralização, sendo progressivamente desativados, com menos encomendas desse tipo de navios aos estaleiros mundiais do que o seu percentual navegando ao redor do mundo.
No contexto da considerável queda no número de navios “Panamax”, a Universidade Federal de Santa Catarina, em cumprimento ao Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP, do Ministério dos Transportes, encomendou ao Instituto Brasileiro de Rebocagem estudo, que teve por base os dados obtidos do Institute of Shipping Economics and Logistc36. O estudo apurou que a frota de navios “Panamax” ao redor do mundo representava cerca de vinte e quatro por cento dos navios mercantes, enquanto que as encomendas de novos navios classe “Panamax” aos estaleiros construtores representavam menos de treze por cento do total das encomendas. Matematicamente, houve uma redução de quarenta e cinco por cento nas encomendas de navios “Panamax”, o que representa uma queda acentuada na atuação desses tipos de navios ao redor do mundo.
Nesse aspecto, uma projeção linear da evolução da construção de navios conteneiros no mundo, considerando a vida média de vinte anos para um navio da classe

36 Referência: Institute of Shipping Economics and Logistcs (Instituto Econômico e Logistico de Transporte Marítimo) possui o maior acervo de construção naval e amplamente utilizado para obtenção de dados relativos ao desenvolvimento da indústria naval. Seus estudos são amparados por verbas governamentais e da iniciativa privada O ISL foi fundado em março de 1954 e é uma entidade sem fins lucrativos com o único propósito de realizar pesquisas cientificas na área da navegação mundial. Disponível em https://www.isl.org/en. Acesso em maio de 2019.

“Panamax”, mostra que em 2036 haverá um número superior de navios da classe “Pós- Panamax” do que os navios “Panamax” navegando entre os portos mundiais.
Diante do quadro de aumento das dimensões dos navios e de aumento do volume de carga destes, as empresas de navegação, por razões financeiras, optaram por utilizar esses novos navios, que transportam mais cargas e estão aptos a atravessar o Canal do Panamá. Entretanto, a Autoridade Portuária do Brasil não se preparou para o aumento nas dimensões dos novos navios e, atualmente, dos trinta e seis principais portos brasileiros com terminais conteneiros, apenas três conseguem receber essa nova classe de navio “Pós-Panamax” ou “Neo-Panamax”.
Ocorre que o Brasil, devido às suas dimensões, não comporta um porto Hub Port37, concentrador de carga. Por questões de logística econômica, a escala dos navios deve ser porto a porto, o que era regular com os navios classe “Panamax”, com navios de longo curso, escalando de cinco a oito portos brasileiros por viagem. Entretanto, no que tange aos navios classe “Pós-Panamax”, estes, devido às suas dimensões, estão impossibilitados de escalar na maioria dos portos brasileiros. Dessa forma, as empresas de navegação optaram por colocar pequenos navios porta conteiners para realizar a aglutinação de carga em dois ou três portos brasileiros que comportam os navios “Pós- Panamax”, de onde zarpam para o exterior.38
Diante desse quadro, analisando de forma superficial, a aglutinação de carga de um porto brasileiro para outro porto brasileiro cria a impressão da existência de uma cabotagem. Entretanto, a realidade é que se trata de cargas de exportação e importação, que estão sendo deslocadas de um porto ao outro por ineficiência logística do próprio

37 Hub port consiste em um porto concentrador de cargas e de linhas de navegação
38 Referencia: Global Maritime Hub. (Concentrador de Carga Global) é um órgão internacional de análise do mercado marítimo da navegação, onde busca apresentar as maiores eficiências para o transporte marítimo separado por tipo de navegação e carga.

porto. Cada carga é transportada por no mínimo dois navios do seu porto de origem até o seu porto de destino final, o que encarece o transporte marítimo.
De fato, há necessidade de realizar o transporte de uma carga, que anteriormente era transportada por um navio, utilizando dois ou mais navios, o que representa um acréscimo significativo no custo de exportação e importação das cargas brasileiras.
Dessa forma, enquanto a ANTAQ celebra o aumento do transporte da cabotagem brasileira, o custo Brasil dificulta a importação de bens de consumo e a exportação de bens industrializados para o exterior.
Cabe aqui mencionar que a estrutura atual não tem proporcionado a eficiência necessária, posto que o Conselho da Autoridade Portuária (CAP) não foi capaz de prever a alteração ocorrida no transporte marítimo em nível mundial nem preparar a nossa estrutura neste sentido, mesmo que tais alterações tenham sido fruto de negociações entre os diversos países dentro da Organização Marítima Internacional, e que tenham sido implementadas somente após uma das maiores obras de infraestrutura realizadas nos últimos dez anos em nível mundial, ou seja, a ampliação do Canal do Panamá. 39
Ainda no contexto de reforçar a necessidade do aprimoramento na qualificação dos representantes da Autoridade Portuária, pode ser observado que em 4 de junho de 2019, o Superintendente de Regulação da ANTAQ proferiu palestra sobre a Regulação do Transporte Marítimo na Escola de Guerra Naval. No currículo do palestrante consta a formação de 2º Sargento Especialista da Aeronáutica e de engenheiro formado pela Universidade de Manaus. Em teoria a sua formação, por si só, não possui correlação com

39 Referência: Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS) onde demonstra o estudo a respeito dos modais brasileiros em comparação aos Estados Unidos levando em consideração o transporte por quilometro útil (TKU), onde o custo do tranporte por quilômetro útil brasileiro por meio marítimo é de trinta dólares americanos enquanto o custo do transporte marítimo nos Estados Unidos é de apenas onze dólares.

o trabalho executado por aquela Agência, e em teoria não o habilitariam para atuar na regulação do transporte marítimo.
Dessa forma, discrepâncias como o ilusório aumento da cabotagem brasileira são celebrados como conquistas, enquanto na realidade representa mais um gargalo para o transporte marítimo de cargas no País. Assim entende-se que a falta de uma habilitação e de capacidade técnica dificultam sobremaneira o desenvolvimento do setor marítimo e o uso do mar.
Ainda de acordo com a publicação EMA-418 (Mod 1) Portfólio Estratégico da Marinha 217, o desenvolvimento do comércio e das atividades marítimas no Brasil, na última década, intensificaram as atividades nas Águas Jurisdicionais Brasileiras, impulsionando um aumento de tarefas realizadas pelas Organizações Militares com atribuições no Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário (SSTA). Desta forma, depreende-se com facilidade que o grau de dificuldade para execução das fainas desses representantes tende a se intensificar. A mesma publicação menciona ainda que o Pessoal é o maior patrimônio da Marinha do Brasil e um dos alicerces fundamentais para que a Força exerça com primazia seu papel como Autoridade Marítima.
No que concerne à missão da Marinha, a quem cabe preparar e empregar o Poder Naval a fim de contribuir para a defesa da Pátria, esta é reconhecidamente uma tarefa gigantesca para a Instituição num cenário de dimensões continentais como o Brasil, envolvendo vultosos recursos financeiros para a obtenção dos meios e do adestramento necessários ao seu cumprimento. Por outro lado, no que concerne ao papel da Autoridade Marítima, as suas tarefas presumem o emprego de recursos relativamente menores, que se resumem basicamente ao preparo técnico do pessoal envolvido.

Ante o exposto, considerando que Autoridade Marítima é a posição de maior visibilidade da Marinha do Brasil perante a sociedade Brasileira40 e, considerando ainda que os recursos necessários para investir em treinamento são significativamente menores que aqueles necessários para investir em equipamentos, faz-se imperioso que a MB volte seus esforços ao treinamento de pessoal que atuará na área responsável por trazer maior visibilidade à instituição.
Nesse sentido, o Capitão de Mar e Guerra Norte Americano, D. Michael Abrashoff41, estabelece que as melhores práticas inovadoras de gestão devem considerar e conhecer seus atores, dispensando a cada um o tratamento específico e direcionado, de forma a atender seus anseios e necessidades. Pelo Capitão de Mar e Guerra, os aspectos que levaram o USS “BENFOLD” a tornar-se o melhor navio de guerra da Marinha Norte Americana foi seu conceito de gestão, considerando as peculiaridades dos mais diversos atores, este conceito posteriormente foi estendido à toda Marinha Americana.
Ante todo o exposto, pode-se considerar que quanto melhor a Marinha do Brasil desempenhar suas atividades de Autoridade Marítima, maior a visibilidade desta perante a sociedade. Resta a Força desempenhar o papel com todo o afinco e determinação, auxiliando o Brasil na melhora de seu desempenho econômico. Para que a Marinha esteja preparada para fornecer a sociedade brasileira, o melhor serviço possível é mandatório que os representantes da Autoridade Marítima estejam preparados para assumir as questões que são particulares aos anseios da sociedade. Para tanto, se faz necessário uma formação especial no corpo da Armada da Marinha.

40 Referência: Palestra do Comandante de Operações Navais da Marinha do Brasil, Almirante de Esquadra Leonardo Puntel – Palestra EGN – curso C-PEM 2019
41 Autor do livro “It´s Your Ship” e ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos da América.

4.5 VISIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES

A visibilidade positiva é um dos requisitos mais importantes para a perenidade e sucessos de uma instituição, seja esta uma instituição estatal, privada ou religiosa. Os patamares de prosperidade de uma instituição serão impreterivelmente ligados à percepção que a sociedade tem desta. Em contrapartida, a visibilidade negativa implica necessariamente a derrocada da prosperidade e o encolhimento, se não imediato, mas certamente a longo prazo de uma instituição que seja malvista pela sociedade.
Nesse sentido, pode-se estabelecer uma análise comparativa entre duas instituições estaduais militares, sendo a primeira o Corpo de Bombeiros Militar e a segunda a Polícia Militar; constatando-se com clareza as questões mercadológicas da percepção da sociedade acerca de ambas.
No que tange à Polícia Militar, esta tem como missão a proteção da sociedade brasileira, garantindo a manutenção da lei e da ordem no estado que serve. Cada Polícia Militar estadual possui uma visão e missão próprias, mas com resultados muito semelhantes. Isso porque, embora cada Estado tenha suas especificidades e idiossincrasias, a função primordial de todas as Polícias Militares é basicamente a mesma: defender a sociedade e garantir a ordem. Nesse sentido, destaca-se a missão da Polícia Militar de São Paulo de proteger as pessoas, fazer cumprir as leis, combater o crime e preservar a ordem pública.
No que diz respeito ao Corpo de Bombeiros Militar, a lógica se repete e, respeitadas as necessidades próprias de cada região, suas designações são todas muito semelhantes de um estado a outro, cabendo à instituição à proteção à vida e o patrimônio particular, público e ambiental. Nesse sentido, destaca-se a missão do Corpo de Bombeiros de proteger a vida, o patrimônio e o meio ambiente para o bem-estar da sociedade.

Nesse contexto, ao aplicar a taxonomia de Bloom nas missões da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, verifica-se a semelhança irrefutável dessas. De fato, a semelhança entre as missões das instituições é estreita de forma que, em alguns Estados Brasileiros, ambas se fundem como braços diferentes de uma única instituição, como nos Estados de São Paulo, Santa Catarina e Paraná, por exemplo. Entretanto, a percepção da sociedade brasileira, no que tange à Polícia Militar, é totalmente diferente da percepção daquela que tange ao Corpo de Bombeiros. Segundo pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística – IBOPE, para a sociedade, o Corpo de Bombeiros Militar é a instituição mais confiável do Brasil42. Em contrapartida, segundo estudo realizado pelo o Índice de Confiança na Justiça no Brasil – ICJBrasil, que retrata sistematicamente a confiança da população no Poder Judiciário, a Polícia Militar no mesmo período teve seu índice de aprovação em trinta e seis porcento, cerca de quarenta e nove pontos percentuais abaixo do índice de confiabilidade do Corpo de Bombeiros Militar. Constata-se, ainda, no estudo em referência que a Polícia Militar auferiu o quinto pior índice dos órgãos medidos; perdendo apenas para Poder Judiciário, Governo Federal, Congresso Nacional e Partidos Políticos.
Ainda nesse sentido, no Índice de Confiança Social – ICS, medido pelo IBOPE, o Corpo de Bombeiros figura há cinco anos consecutivos a frente de todas as demais instituições brasileiras, incluindo a igreja católica e Forças Armadas, no que diz respeito à confiança da sociedade. Ainda segundo o IBOPE, das dezoito instituições avaliadas; tanto públicas quanto privadas e ainda aquelas representativas da sociedade civil organizada, destaca-se o índice de aprovação pela sociedade do Corpo de Bombeiros, que alcançou setenta e três por cento de aprovação; encontrando-se, em segundo lugar, a

42 Referência: Governo do Brasil. Disponível em http://www.brasil.gov.br/noticias/seguranca-e- justica/2015/07/ibope-corpo-de-bombeiros-e-a-instituicao-mais-confiavel-do-brasil. Acesso maio de 2019

Igreja Católica, com sessenta e seis por cento de aprovação, e, em terceiro lugar, as Forças Armadas, com sessenta e dois porcento de índice de aprovação pela sociedade.
Em primeira análise, poderia se considerar que a Polícia Militar, por ser um agente cerceador da liberdade, teria naturalmente sobre si uma percepção negativa da sociedade. Entretanto, observa-se que, em cidades litorâneas do Estado de São Paulo, por exemplo, onde o Corpo de Bombeiros atua incisivamente cerceando a liberdade de banhistas, não há comprometimento da visão positiva que a sociedade tem da instituição, de forma que não é de fato a possibilidade de cerceamento de liberdade que torna positivo o conceito e grau de confiabilidade que a sociedade terá em uma instituição.
Com efeito, a percepção positiva que a sociedade brasileira tem do Corpo de Bombeiros é tão forte que os municípios e estados do país cobram tributo da modalidade taxa, qual seja, a Taxa de Bombeiro, para serviço de segurança pública, com fulcro exclusivo nesta percepção positiva que a sociedade tem da instituição, ou seja, a sociedade aceita que o estado imponha mais imposto, baseado única e exclusivamente na percepção positiva da instituição.
É no contexto da atuação do Corpo de Bombeiros, com relação a sua imagem perante a sociedade, que a Marinha do Brasil, por meio da Autoridade Marítima, deve se espelhar. As funções da Autoridade Marítima permeiam a sociedade de forma muito próxima à missão do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar, porém, é a opção de como a Marinha do Brasil exercerá a sua missão de Autoridade Marítima que trará uma percepção positiva ou negativa da sociedade para a Força.
Nessa dimensão, entendendo que uma visão positiva da sociedade pode trazer benefícios em forma de aumento de verbas à Força, faz-se imperioso que a Marinha do Brasil prepare os seus Oficiais que serão agentes da Autoridade Marítima Brasileira, a

fim de que interajam de forma positiva com a sociedade civil organizada, gerando dessa forma uma percepção positiva da sociedade latu sensu.
De fato, para o Capitão de Mar e Guerra, D. Michael Abrashoff, na obra Este Barco Também é Seu – It’s Your Ship , ao tratar do assunto da visibilidade positiva, coloca que, diferentemente do que a maioria das pessoas acredita, o fato de se punir quem está errado não gera visibilidade negativa. Na verdade, o que gera visibilidade negativa é a forma como a punição é imposta. É nesse aspecto que o Corpo de Bombeiros Militar se destaca, navegando de forma singela e com bastante eloquência, punindo quando necessário, cerceando a liberdade dos banhistas quando necessário, mas de forma que a percepção da sociedade continue positiva junto a instituição.

5 CONCLUSÃO

A missão imposta à Marinha do Brasil de atuar como Autoridade Marítima brasileira está longe de ser uma tarefa simples e, no contexto recente do excesso de normatização e de criação de leis, regras e normas pelos poderes brasileiros, deve-se tornar ainda mais árdua nos próximos anos.
De fato, considerando que nas últimas décadas o número de legislações que regulam e regulamentam o setor do transporte marítimo dobrou em relação ao existente nos últimos trezentos anos no Brasil, é imperioso que se trabalhe arduamente na formação daqueles Oficiais que atuarão na representação da Autoridade Marítima, a fim de que alcancem o objetivo de visibilidade positiva e mitiguem a sobreposição de autoridade marítima e portuária,
Nesse diapasão, no dia 15 de fevereiro de 2019, em almoço realizado pelo Centro de Capitães da Marinha Mercante no Iate Clube do Rio de Janeiro, o Almirante de

Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, ex-comandante da Marinha do Brasil, declarou em discurso acerca das dificuldades da função de Autoridade Marítima: “[…] de todas as funções que ocupei em minha carreira incluindo a de Comandante da Marinha, a mais desafiadora foi ser capitão dos portos […]”. Ora, não havendo dúvida a respeito do brilhantismo necessário para qualquer oficial general se torne comandante de uma Força militar do Brasil, cabe aqui reflexão mais profunda acerca da declaração do Almirante de Esquadra, dado pois que o tamanho do desafio de um profissional está intrinsicamente ligado à sua preparação para a execução de uma tarefa ou missão.
Quanto mais preparado o profissional estiver, com mais facilidade ele executará a sua missão.
De fato, a capacitação de um profissional é a geração de competência e, institucionalmente, é prioridade da Marinha do Brasil. No EMA 134 – Geração de Competência, a Marinha do Brasil esforça-se ao máximo em demonstrar a necessidade de gerar competência para toda a Força. Essa necessidade foi reforçada na palestra ministrada pelo Diretor da Escola de Guerra Naval, Contra Almirante Edgar Luiz Siqueira Barbosa, que ocorreu no dia 18 de junho de 2019 na EGN. Na palestra em referência, o Diretor da EGN afirmou que a prioridade da Marinha do Brasil é a capacitação do pessoal da Marinha.
Cabe destacar que gerar Competência significa capacitar seus representantes para ocuparem a função designada para o cumprimento da missão. Entretanto, atualmente os cursos de preparação dos Oficiais da Marinha do Brasil que servirão como Autoridade Marítima, estão aquém da necessidade de capacitação da própria Marinha e da importância para a visibilidade da Marinha do Brasil perante a sociedade.
Cabe destacar, ainda, que a correta formação e preparação dos Oficiais da Marinha do Brasil que ocuparão as posições de agentes da Autoridade Marítima é de extrema

importância para a criação e fortalecimento da visibilidade da Força, servindo ainda para mitigar a sobreposição de autoridades.
O correto ensinamento, com metodologia adequada, garantirá que o Oficial da Marinha trate aos usuários que necessitam da Autoridade Marítima aplicando o devido discernimento, percebendo que as empresas de navegação, portos, terminais são parte do Poder Marítimo e que os praticantes de esportes aquáticos, detentores ou não de embarcações de esporte e recreio, são usuários das vias navegáveis e devem ser tratados de forma distinta. Assim, tem-se reafirmado que o militar pode ser louvado ou desprezado pela sociedade no exercício de tarefas semelhantes, dependendo exclusivamente da capacitação dada pela instituição ao qual pertence o militar – caso Bombeiro e Polícia Militar.
Nesse sentido, há necessidade premente dos agentes da Autoridade Marítima terem profundo conhecimento da história das leis, dos tipos de navegação e particularidades dos navios, da formação do transporte marítimo, assim como das necessidades dos usuários praticantes de esportes náuticos – é a razão que leva países como Holanda, China, Estados Unidos, Chile, entre outros, a dispensarem anos na formação acadêmica específica daqueles que desempenharão as funções inerentes à Autoridade Marítima.
Diante do exposto, a formação complementar dos Oficiais da Marinha do Brasil, após a conclusão do curso de Formação de Oficiais, durante o curso de aperfeiçoamento específico e a ser criado, seria a forma mais rápida e eficaz de preparar os futuros representantes da Autoridade Marítima para enfrentarem os desafios que surgirão em suas carreiras.
No que tange ao aprimoramento da interação com a Autoridade Portuária, além de uma formação mais robusta dada por um curso de aperfeiçoamento específico a ser

implementado, é imperioso a redação de uma nova Norma da Autoridade Marítima (NORMAM), que normatize as questões que envolvam o tráfego de embarcações ou navios administrados pela Autoridade Portuária, submetendo as questões em referência à assinatura de um representante do tipo da Associação Brasileira de Hidrografia43.
Considerando que os representantes da Associação Brasileira de Hidrografia são, necessariamente, Oficiais da Marinha do Brasil da ativa ou da reserva, não resta dúvidas de que, a partir da vigência da nova NORMAN proposta, a Autoridade Portuária terá em seu corpo técnico pessoas com formação necessária a atribuição a eles estabelecida pela lei brasileira; de forma a melhorar sobremaneira a interação entre a Autoridade Marítima e Portuária, coibindo o regramento descoordenado emitido pela Autoridade Portuária, melhorando o desempenho do Poder Marítimo brasileiro e utilização do mar como ligação do Brasil com os demais países do mundo.

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